São conhecidas as histórias das trocas e baldrocas dos ciganos. Há um conto do João Guimarães Rosa com uma história de troca de cavalos com um cigano que vale a pena conhecer. Aqui na minha zona moram meia dúzia de famílias e eu dava-me bem com alguns deles. Em geral encontravam-me a dar a minha volta noturna a pé, cumprimentavam-me e perguntavam-me quantas voltas dava eu. Eles continuavam sentados nos bancos do jardim a beber as suas “minis”, a fumar o seu cigarro e a falarem. Por causa das “minis”, dos cigarros ou da idade, já morreram. Ficaram as viúvas que, quando me veem me cumprimentam (e eu a elas, claro). Quando era miúdo recordo-me de uma família de ciganos que, durante meses ou até anos, “ancorou” na minha aldeia. Tinham miúdos da minha idade e brincávamos todos bem. Aprendi algumas coisas com eles.
A grande maioria, sobretudo os que já deixaram de ser nómadas, dedicam-se à venda ambulante. Nas feiras, são os reis e senhores das barracas onde se vende tudo. “São 3 por 5 aérius, não há nada mais barato, oh fregueses”.
Nunca tinha feito nenhum negócio com nenhum deles, até que há não uns 3 anos, ao passar por uma dessas feiras semanais que há lá para as minhas bandas natais, fui abordado por uma vendedora que me gritou as maravilhas dumas camisolas das tais “tudo a 2 aérius”. Sorri a dizer que não queria, mas vi uma cesta de palhinha que me dava um certo jeito para pôr a fruta que ia comprar e perguntei se também era para vender. Respondeu-me “aqui tudo se vende ó freguês, são 4 aérius” é uma maravilha de cesta. Negócio feito, pedi-lhe para retirar os papéis e plásticos que enchiam a cesta e ela naquela voz gritada disse-me que ali à esquina havia um “ecoponto” para eu lá despejar a papelada, não podia ficar ali com o lixo senão voava todo com o vento. Encolhi os ombros, paguei , agarrei na cesta e fui direito ao “ecoponto” onde comecei a despejar os papeis e os plásticos. Por debaixo daquele lixo apareceram-me 6 chapéus de aba, novos, daqueles que em geral se usam na praia, para proteger do sol. A cigana esqueceu-se que por debaixo do lixo estavam os chapéus. O meu impulso foi ir devolvê-los. Mas havia jornais por debaixo dos chapéus. Puxei pelos jornais para os colocar no contentor e oh maravilha das maravilhas! Por debaixo estava o fundo da cesta, todo roto. Os jornais estavam a tapar o enorme buraco da cesta e a “simpática” cigana enfiou-me o barrete. Ou melhor ela “enfiou-me o barrete” e eu “enfiei-lhe os 6 chapéus” que levei para casa. Contas feitas ficaram a uns 80 cêntimos cada um, para além do enorme gozo de ter ajudado a cigana a auto-enganar-se. Foi aí que me lembrei do conto do Guimarães Rosa e da troca dos cavalos.
Distribui-os pela família e atirei a cesta para o lixo.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
Também a ti, caro Lince, te “enfiaram o barrete”, ao soltarem-te aí no meio do mato. Logo a ti que estavas habituado ao bem bom de não fazer nada. Como vão as coisas? Não tenho recebido notícias…