Ontem sentou-se á minha frente, num centro comercial, um sujeito que vinha carregado com sacos de compras. Tratava-se de livros, a que ele tirava os autocolantes com os respetivos preços, depois metia-lhes dentro um papel que serviria para a eventual troca e finalmente metia cada livro na sua saqueta. Eram, evidentemente, prendas de Natal.
Sorri, para dentro, por dois motivos: primeiro, porque uns dias antes eu tinha feito o mesmo e segundo, porque eu não tinha feito tantas verificações quantas ele fez. Depois de meter cada livro na respetiva saqueta, ele voltava a abri-las umas tres vezes, para verificar se estava tudo em ordem.
Comprar livros para eu ler não é nada complicado. Ou já entro a saber o que quero ou, uma vez por outra, quando dou uma mirada pelos escaparates lá haverá um ou outro que acabo por comprar.
Outra música é comprar livros para oferecer, muito especialmente no Natal.
Como só ofereço a familiares, com quem estou portanto muito à vontade, sigo um critério: só compro livros “baratinhos”, em saldo ou “ao quilo” e daqueles que as pessoas ganham tanto em lê-los como em não os ler. Em geral são livros leves, quanto ao peso, quanto ao preço e quanto ao conteúdo. Os beneficiários, aliás, já sabem as regras do jogo.
Já sei que em troca irei receber, no máximo, uns dois (eu ofereço uma dúzia) e um deverá ser do ou sobre o Fernando Pessoa e o outro sobre uma qualquer história ou curiosidade da Matemática.
Quer dizer, cumprem-se os rituais, gasta-se algum dinheiro para fazer funcionar o mercado e não se acrescenta nada de novo.
É neste ponto que a minha memória dá um salto muito grande lá para trás e relembro 2 ou 3 livros que recebi, em recuados Natais. Todos dum senhor que se chamou Emilio Salgari e que foi dos escritores de aventuras que mais livros “viu” publicados nos quatro cantos do mundo. Diz a história que foi também aquele que menos dinheiro viu das centenas de edições que se fizeram. Viveu sempre com dificuldades económicas.
Hoje seria um escritor “politicamente “ incorreto e inconveniente pois matava animais e pessoas à velocidade da luz, nas aventuras em que metia os seus herois.
Pretos, brancos, amarelos e Peles Vermelhas tombavam ao mesmo ritmo que caiam leões, tigres, leopardos, elefantes, etc. Bastava que complicassem a vida ao heroi da aventura.
Só um exemplo: para petiscar um pedaço da ponta da tromba de elefante, não tinha problema de, durante um luivro matar 3 ou 4 animais, para lhes tirar esse pedaço que, depois de assado na cinza duma fogueira, constituia um petisco de “haute cuisine”, como se diria hoje.
Eu lia os livros dele, devagar, 3 ou 4 páginas de cada vez só, para “fazer render o peixe”, ou seja para prolongar o prazer que isso me dava.
Depois, reunia um grupo de 3 ou 4 putos um pouco mais novos que eu (naquela altura chamavam-se rapazinhos, a “putice” ainda não tinha sido inventada) e contava-lhes tintim por tintim todas as peripécias da aventura.
E não era preciso mantê-los em silêncio e atentos, pois eles encarregavam-se de assim se manterem, comendo palavra a palavra a “minha” história e vibrando com ela, tanto como eu tinha vibrado ao lê-la.
Mas isto tudo se passou em “outros Natais”…
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
E tu, Lince amigo, por onde andas? Há bastante tempo que não tenho notícias tuas. Sorte a tua foi não teres vivido na época do ti’Emilio Salgari, senão…
VOTOS DE FELIZ NATAL A QUANTOS POR AQUI PASSARAM DURANTE ESTE ANO.