No longínquo 9 de Março de 2008 este blog montou banca neste local. Antes tinha vendido peixe noutro sítio, era então um garboso Carapau de Corrida, mas como o “mercado” onde tinha a sua banca fechou, teve de mudar de local e de mudar de nome. Como a imaginação não era muita (e continua a não ser) mudou para CarapauCarapau porque, disse não sei que filósofo, as coisas dobradas também têm o seu encanto. Para comemorar a data e a lata de ter esta banca aberta há tanto tempo, o Carapau, agora muito mais sábio, resolveu republicar (atenção, não tem nada a ver com a dona república) um dos primeiros posts, que nessa altura cheiravam muito a peixe e a maresia. E vai tal e qual como da 1ª vez, respeitando cor e tudo o resto. Ainda estive tentado a dar-lhe “uns toques”, mas optei por manter o original. Ele aqui fica:
A Ostra
Nas redondezas já todos tinham percebido que a Ostra andava caídinha de todo pelo Lagostim. E também todos achavam que aquilo não ia acabar bem. A Chaputa que andava sempre por ali e que nem era de se meter na vida de ninguém, não resistiu e chamou-lhe a atenção para a má fama do Lagostim, que lhe desculpasse de se estar a meter na vida dela, mas estava com pena de a ver a ir na conversa dele. “A menina sempre tão fechada e agora a dar trela para um farroncas daqueles”. A Ostra entreabriu a concha, olhou-a de soslaio e resmungou qualquer coisa como “não há problema”. O memo aconteceu com o velho e grande Mexilhão que era seu vizinho e a conhecia desde pequena e que também lhe chamou a atenção. A esse, ela nem respondeu. Deve ter pensado “o que é que este velho, preto e musguento quer?” e fechou-se na concha. Mas quando o Lagostim se aproximava com aquele andar aos saltinhos, as pinças no ar a dar a dar parecendo um bailarino de flamenco, ela escancarava a porta e sorria para ele. Que há muito tinha percebido como ela estava perdidinha e então mais salamaleques fazia. Ao princípio eram só uns olhares, uns sorrisos, uns passos de dança da parte dele e um entreabrir de concha da parte dela. Depois vieram umas trocas de palavras apressadas, até que actualmente já estava estabelecido um diálogo sem rodeios. E foi numa dessas tardes em que a vizinhança estava toda a dormir a sesta que as coisas avançaram mais. Ele veio com a cantilena toda, cantou-lhe das boas e das bonitas, a voz grave e os ademanes de dançarino, ela abriu-se toda e foi uma tarde em cheio. Depois ele despediu-se, ela ficou a vê-lo a afastar-se até dobrar o rochedo e só nessa altura, quando ia a fechar-se é que soltou o tal grito que alertou toda a gente. Apareceu estremunhada a vizinhança “o que foi, o que aconteceu” e a Ostra meio envergonhada entre soluços e lágrimas a dizer “foi ele, foi ele, roubou a minha pérola”. O Carapau ainda meteu a ponta do focinho a ver se não estaria para ali meio escondida, mas não havia dúvidas, tinha desaparecido mesmo. E todos a falarem ao mesmo tempo, “eu bem te avisei”, “ eu bem desconfiava”, “ele não era de confiança”, “tu tiveste a tua culpa” e o Carapau que não gosta de confusões, afastou-se e foi narrar a ocorrência.
Amigo Lince: neste é que nem metes prego nem estopa. Não existias, eras ainda um não lince. Hoje aposto que nem sabes o que é uma ostra, nem sabes como ela “vale por duas”, nunca entenderias uma coisa destas. Nisso estás bem acompanhado, porque também nunca entendi como ela, sendo como é, foi na cantiga do Lagostim. Fraquezas…