Sentado aqui à sombra, de frente para o velho casarão agora remodelado, olho para as janelas às quais tenho ligada parte da minha vida. Já uma vez divaguei sobre o assunto, contando a história de cada uma.
Hoje olhei com mais insistência para duas delas, as que respeitam ao quarto onde nasci. Olhando, pensei que não sei nada desse momento “mágico” onde, cortado o cordão umbilical, passei a ser eu.
Atirei-me de cabeça para o mundo ainda de olhos fechados, como fiz algumas vezes durante a vida, ou pelo contrário, às “arrecuas”, mandando um pé à frente para tirar a temperatura ao ambiente, receoso do que me esperava? Nunca tinha pensado nisto. E agora é tarde para o saber. Já não existe ninguém a quem perguntar e a certidão de nascimento não “entra” por esses pormenores/pormaiores.
Quem assistiu ao parto? Um médico, uma parteira, uma curiosa, uma vizinha, uma familiar? Nunca pensei nestas coisas, nunca perguntei, quando tinha a quem perguntar. Agora só posso divagar.
Se houve um médico sei quem teria sido. Só podia ser um. Também já contei neste blog as histórias (algumas) que dele conhecia. Se foi alguém da aldeia é estranho que ao longo da vida ninguém me tenha dito alguma vez “olha que fui eu que te ajudei a nascer”, pelo que ponho de lado essa hipótese, mas sem certeza. Terá sido alguma parteira profissional, portanto “de fora” que nunca mais me viu e que nunca conheci?
É possível, mas também seria normal ter ouvido uma vez por outra qualquer referência a ela. Além disso, outros vieram depois de mim e nem disso tenho memória de nada que me possa orientar.
Estou assim a braços com uma “dúvida existencial”. Não sei como vim ao mundo!
Há 25 ou 26 anos que não entro na “casa”. Por essa altura, o que restava da família mudou-se para o “outro lado” da rua, mesmo em frente ao “velho casarão”. É “daqui” que a olho, quando por cá estou.
O ano passado, as pessoas que tomam conta dele, quando os donos estão ausentes, o que acontece a maior parte do ano, perguntaram-me se eu não gostaria de dar uma vista de olhos pelo interior do casarão. Aceitei, vi as muitas alterações a que foi submetido, relembrei diversos pormenores, mas não visitei a parte que mais me interessava, ou seja a parte em que nasci e vivi sempre até aos meus 15 anos e depois intermitentemente durante os dez anos seguintes. Essa parte estava ocupada e, ainda que na altura não estivesse ninguém, achei que era melhor não a ver. Limito-me portanto a olhá-la por fora e é melhor lembrar-me dela como a conheci.
Mas a dúvida perdurará: de cabeça ou às “arrecuas”?
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.