Um ano acabou, outro começou ontem, hoje já vamos no segundo dia, houve troca de calendários, a Terra continua a girar, repetem-se os gestos.
Nunca tive o costume de usar agendas ou calendários. Guio-me pelos papéis que vou escrevinhando para não me esquecer das coisas que tenho que fazer e dou, ou “arquivo” no lixo, os calendários que, todos os anos, recebo pelo correio.
Quando andava na escola primária, lá na minha aldeia, parte da “nossa vida de jovens estudantes” girava à volta do calendário. Ele estava pendurado, na parede ao lado do quadro preto e era de folhas de “papel de seda”, (como lhes chamávamos, por serem muito fininhas) e todos os dias havia a “cerimónia”, ao começar a aula, de atualizar o calendário, arrancando a folha do dia anterior. Operação feita pelo professor, que entregava a folhinha a um dos alunos. A qual? Àquele, que nessa manhã, primeiro o tivesse cumprimentado com a “sacrossanta” frase: “Bom dia Senhor professor, hoje é o dia Tal”.
Durante bastante tempo a folhinha vinha ter, quase sempre, comigo. Porque eu era madrugador? Porque era um viciado pelas tais folhas? Porque os outros não se interessavam? Nada disso. Por uma razão muito especial. Eu vivia ao lado do Professor e ele todos os dias antes de sair para a rua, atravessava um pátio que nos era comum, e eu “disparava” o meu “bom dia sr. Professor, hoje é dia tal”.
Quando ele saia para a rua a caminho da escola, era bombardeado por vários “bons dias” mas todos eles já sem direito à folhinha de “papel de seda” com o número correspondente ao dia anterior.
E eu lá ia colecionando folhas…
Até que um dia, o professor deve ter reparado que eu era um açambarcador e “saiu” nova legislação: só eram válidos os cumprimentos a partir do momento em que ele pisava a rua. Perdi a minha vantagem de vizinho, ainda que não totalmente, pois bastava eu estar atento à saída dele de casa…
Não me recordo se as folhas, além do número correspondente ao dia anterior, também tinham uma quadra. Suponho que sim, mas fica a dúvida. Por o papel ser tão fino e transparente elas não serviam para nada, mas eram muito desejadas.
Claro que no primeiro dia de aulas de cada novo ano letivo a disputa era elevadíssima, pois estavam em causa as folhas correspondentes aos três meses das férias grandes. A minha “vantagem relativa” mantinha-se mas nessas datas a coisa complicava-se.
Deve ser por isso que de então para cá (e já lá vão “toneladas” de folhas de calendário) eu não me interesso pelos calendários e agendas que me oferecem. Falta-lhes a adrenalina da disputa, o sabor doce da conquista, de ser o primeiro.
Tudo o que nos cai no regaço sem esforço, até pode dar jeito, mas não tem sabor.
Andasse eu ainda na escola primária da vida e daqui a uma semana lá estaria de sentinela a gritar primeiro que todos, “bom dia senhor professor, hoje é o dia 6”, “só” para conquistar umas vinte folhinhas correspondentes às férias do Natal.
Quem há por aí, hoje, capaz de se bater por uma simples folha de calendário, mesmo que premiada com uma quadra popular?
Quem 1º aqui deixar rasto da sua passagem tem direito à folhinha de calendário abaixo publicada, dizendo simplesmente "Bom dia Sr. Carapau, hoje é dia 7".
Bom ano para quem este post ler (e para todos os que por cá andarem…ainda).
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.