Nestes últimos dias tive de ir a dois funerais e agora com o do Mandela foi dose tripla. Os velórios são para mim uma coisa esquisita, pois estou para ali sem saber o que fazer, isto depois de ter apresentado as condolências à família. Ontem dei por mim a pensar num meu antigo professor, ilustre aliás, no ramo das matemáticas, distraído como convém, com uma figura muito parecida com a do Einstein, farto bigode e farta cabeleira, ambos brancos. E sempre com um sorriso na cara. Pois um dia, num velório dum amigo, chegou-se junto à viúva, cumprimentou-a, lamentou a perda do falecido, rematando o pequeno “discurso” dizendo que ele (o falecido, claro) era um grande homem. E repetiu duas ou três vezes “era um grande homem”. Distraiu-se, saiu da órbita e começou a cantarolar, repetidamente, sempre a sorrir, “era um grande homem, era um grande homem…” e ali ficou na sala nesta cantoria, perante o ar espantado de uns e o ar risonho de outros. Enfim…foi um sucesso…
Este professor tinha uma maneira muito peculiar de tratar os seus alunos. Como as aulas teóricas eram livres, nunca lá tinha mais do que 2 ou 3 alunos, os outros iam vadiar. Creio que só fui a meia dúzia, se tanto, das suas aulas, porque eu ficava cansado de ver a genica e a energia que ele punha nas suas exposições. Depois acontecia que ele tinha um sistema original para as provas orais nos exames. De véspera os alunos iam tirar um tema, à sorte, por onde começaria a prova oral. A intenção era que o aluno sabia à partida que ia responder às primeiras perguntas sobre um tema que tinha estudado (pelo menos durante um dia) e assim ficava mais descontraído. Na realidade também servia para ele, professor, se aperceber das capacidades do aluno e então fazia um exame “de acordo” com o “sábio” que tinha pela frente. Assim sendo, raramente reprovava alguém.
Os “pontos” como lhe chamávamos eram levantados, na véspera na Faculdade, mas quando o exame era a uma 2ªfeira tinha de se ir a casa dele levantar “o ponto”, no domingo. Em geral oferecia o pequeno almoço a quem lá ia e havia quem recusasse e quem aceitasse. Convém dizer que a mulher dele era uma conhecida “cozinheira e doceira” com obra publicada, o livro, com prefácio do marido, ainda hoje faz parte da história da culinária em Portugal. Portanto nesses pequenos almoços havia sempre bolos e doces.
Vem isto a propósito do que aconteceu um dia com um aluno (pelo menos com um, que eu conheci). Ele nunca tinha ido a uma aula teórica e não conhecia o professor. Teve o azar de ter de ir levantar o ponto a casa do Mestre. Era um domingo de manhã, portanto, tocou a campainha, esperou um pouco e aparece-lhe um “avozinho” de cabelo e bigodes brancos, de roupão, com o seu ar sorridente, a dar-lhe os bons dias e a perguntar o que é que o jovem queria. O jovem julgou que se tinha enganado na porta e perguntou se era ali que morava o Sr. Prof. fulano. Ao ouvir a resposta “é sim, mora aqui, sou eu, que deseja?” caiu-lhe o mundo em cima e inventou uma desculpa dizendo que tinha sido um amigo dele que era aluno do Sr. Prof. e que não podia vir levantar o ponto, porque estava na tropa e só chegaria no fim do dia e lhe pediu para fazer isso por ele e patati patatá, vinha perguntar ao Sr. Prof. se podia ser ele a levantar o ponto para mais tarde entregar ao amigo logo que ele chegasse. Lá levou o ponto e como não teve lata de aparecer no dia seguinte, faltou ao exame, que fez depois na 2ª época, esperando que o Prof. já não se lembrasse da cara dele. E assim foi, correu tudo bem.
E agora, ao terminar estas historietas, fico a imaginar as coisas que uma pessoa pode pensar durante um velório…
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.