Só conheço uma coisa pior que ter de aturar um bêbado: é aturar dois ao mesmo tempo. Coube-me em sorte, algumas vezes, ter de desempenhar esse papel. Era uma grande chatice, porque não há maneira de fazer desistir um bêbado de levar os seus propósitos avante. A partir de certa altura fui arranjando “calo” e deixei de me importar com ele (ou eles, conforme a ocasião). Quando o apanhava distraído, pirava-me.
Perguntar-se-á porque motivo os tinha de aturar? Simplesmente porque faziam chantagem: “é pá vem connosco que só demoramos meia hora; se não vieres acabamos por ir beber mais uns copos e acabamos por nos perder”. Eu lá tinha de ir fazer a minha boa ação de “escuteiro”. Só que não me lembro de alguma vez ter sido só “aquela meia hora”… e que não tenham continuado nos copos.
Acontece ainda mais um pormenor. Eles, que no dia a dia eram tão pacatos e respeitadores, transformavam-se nas noites de copos. De pacatos passavam a turbulentos, de respeitadores a carroceiros, de calmos a briguentos. Qualquer pequena coisa os punha logo a querer esfolar uns e outros.
Até que um dia…
Aquela noite estava a ser ainda mais complicada que outras. Por essa altura eu já não tinha paciência e fui-me embora, deixando-o (nessa noite era só um) entregue à via sacra de correr as capelinhas habituais.
No dia seguinte vim a saber o que acabou por acontecer. Deu-lhe nessa noite, para desafiar qualquer pessoa para jogar à porrada. Entrava num tasco bebia “mais um” e de seguida perguntava em voz alta: “há por aí algum filho da puta que queira jogar a porrada comigo?”. As pessoas olhavam-no, viam o estado de embriaguês em que estava, riam-se e não lhe davam mais troco. Ele saia e passava ao tasco seguinte. A cena repetia-se. E repetiu-se por mais 3 ou 4 vezes. Até que, ao desafio, houve “um filho da puta” que se levantou, esperou-o à saída e enfiou-lhe uma tal carga de porrada, que ele nem reagiu, tal ela foi. Remédio santo. Bebedeiras, continuou a apanhar muitas, mas sempre de “bola baixa” não se metendo com ninguém.
Passaram uns anos, cada um de nós foi para seu lado e um dia vim encontrá-lo em Lisboa. Tinha enveredado pela carreira militar e continuava a beber.
Do resto, triste, já não tem piada nenhuma falar.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.