Em tempos abri um outro blog, em parceria com outra pessoa, chamado “As palavras dos outros”, exactamente porque nele eram publicados extractos de obras de autores conhecidos. Acabaram por ser só publicados meia dúzia de posts e o blog acabou por ser encerrado.
Hoje, talvez por falta de assunto, resolvi publicar aqui este.
De Fernando Assis Pacheco
Trabalhos e Paixões de Bento Prada (Cap. 1 completo)
Quando o Padeiro Velho de Casdemundo teve a certeza de que Manolo Cabra lhe desfeiteara a irmã, em dois segundos decidiu tudo. Nessa mesma noite matou-o de emboscada, arrastou o cadáver para o palheiro e foi acender o forno com umas vides que comprara para as empanadas da festa de San Bartolomé.
O irmão do meio encarregou-se de cortar a cabeça ao morto. O Padeiro Velho amanhou-o e depois chamuscou-o bem chamuscado. Às duas da manhã untou o Cabra de alto a baixo com o tempero, enfiando-lhe um espeto pelas nalgas. Às cinco estava assado.
“Caramba”, disse o irmão do meio, que admirava todas as invenções do mais velho, “é à segoviana!”.
“Mas não lhe pões o dente”, cortou o outro.
Entretanto o mais novo, regressado já do Pereiro, aonde fora avisar o Padre Mestre, manifestou desejos de capar Manolo Cabra. O do meio olhou muito sério para o Padeiro Velho. Este cuspiu enojado e decretou:
“É tudo para os cães. E agora tragam-me lá a roupa do fiel defunto, que já não tem préstimo senão no inferno.”
Se perguntassem ao Padeiro Velho o que mais queria naquele momento, teria respondido:
“Assar-lhe até a memória.”
(Este post não respeita o novo acordo ortográfico)