Há conversas que não passam de muito palavreado, mas nada dizem.
Outras que em meia dúzia de palavras dizem tudo e nem precisam de um desenho para as entendermos.
Por essa altura eu vivia no Porto com mais os dois Carapaus que constituíam o cardume. E continuam a constituir, louvado seja o Senhor, ainda que navegando em oceanos diferentes.
Estava-se em princípios de setembro e só eu ocupava a caverna que nos servia de abrigo, os outros estavam de férias, mais para sul. Era um sábado, ainda se trabalhava aos sábados por essa altura (uns só de manhã, outros o dia inteiro). Eu tinha começado a trabalhar há meia dúzia de meses, daí o manter-me na “Mui Nobre, Leal e Invicta Cidade do Porto” e só não escrevo carago, porque essa palavra não faz parte de divisa.
Estamos portanto num sábado à noite e eu sozinho por ali…
Deve ter sido por medo da solidão que não dormi na caverna. Procurei outra onde, menos solitário, pudesse passar a noite. Se fui pescado por arrastão ou por um anzol isolado já não me recordo bem, talvez até tenha eu passado a pescador…
Não sei se por estranhar a cama, habituado que estava à velha cama de algas, se por outro motivo qualquer (mas vou por esta segunda hipótese) a verdade é que devo ter dormido pouco “e depressa”. Daí o ter-me levantado mais tarde e lá para o fim da manhã regressei a penates, isto é, ao 3º andar e último, do prédio onde tinha a caverna.
Ao chegar ao patamar desse último andar dei de caras com um outro Carapau, sentado no chão e encostado à porta. Desenvolveu-se então um dos diálogos mais prolixos que já tivemos até hoje (e quando nos encontramos falamos pelas barbatanas).
Convém dizer que fui apanhado de surpresa, não era suposto o Carapau em questão voltar tão cedo de férias. Foi então que:
- Tás aqui? – perguntei com ar espantado.
- Tou. – Respondeu com ar ensonado.
- Há muito tempo?
- Desde ontem.
- E não entraste?
- Não tenho chave.
Abri a porta e entramos sem mais palavras.
Há dias, no último encontro que tivemos, onde relembramos certas cenas passadas, perguntei-lhe se se lembrava desta. Disse que não.
O que prova que há coisas e situações que para uns ficam gravadas e para outros não.
Lembro-me também do diálogo, que ouvi a certa altura dessa noite, que se passava no quarto ao lado e tão distintamente que deveria haver uma comunicação qualquer entre eles, de que aliás não me apercebi.
Foi também um diálogo eloquente, que só não transcrevo aqui porque isto é um blog sério (quantas vezes o hei de gritar ao mundo?) e também porque diálogos ouvidos em “albergues espanhóis” não devem ser divulgados.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.