Este senhor aparece hoje aqui, única e exclusivamente por causa da língua.
O que no fundo ele nos quer dizer é que na vida tudo é relativo…
Para mim, a minha língua é esta, aquela em que estou a escrever. Claro que também tenho a minha língua particular, digamos assim, mas essa não a posso mostrar aqui, porque sempre me ensinaram que era feio tirar a língua de fora às pessoas. Há a exceção para o médico, mas só quando ele me diz “ora mostra lá a tua língua”.
Para o Fernando Pessoa, a pátria dele era a língua portuguesa. Nunca vi a língua portuguesa, nem sabia que se podia ver, mas tenho visto muitas línguas de portuguesas. E não acho feio quando me mostram a língua, mesmo que eu não peça, e não sendo médico.
Há muitas línguas, como é do conhecimento geral. Eu entendo-me bem com a portuguesa (nem sempre, mas a culpa não será só minha…), razoavelmente com a francesa, mal com a inglesa, assim assim com a portunholesa, bem com a de vaca (estufada com puré, ou com ervilhas), também bem com a do bacalhau (com grão, batata cozida ou outro acompanhamento) e já me dei muito bem, quando era miúdo, com as línguas de gato (hoje já não gosto de gatos e nunca mais vi línguas).
Com a língua tenho feito coisas que nem o diabo sonhava (hoje o diabo, por ser velho, já sabe tudo, ou quase…). Vejamos algumas: falar, saborear (ou degustar, para ser mais fino), dar à língua, lamber selos (cada vez menos porque eles já vêm nos envelopes) e lamber coisas múltiplas, mas assim de repente só me estou a lembrar dos gelados.
A lambidela é aliás uma instituição nacional. Lamber as pontas dos dedos para contar papel, virar a página do livro, “aguçar” a ponta da linha para ela entrar no buraco da agulha, para contar notas e para abrir sacos de plástico, daqueles fininhos. (Já assisti ao espetáculo de ver uma padeira a fazer isto tudo de seguida, ou seja cuspir nos dedos para abrir o saco de plástico, agarrar no pão para o meter no saco, agarrar no dinheiro e contá-lo e voltar de novo ao princípio, cuspir nos dedos, etc. etc. Aproveito só para dizer que era o melhor pão da região. A padaria foi fechada, porque este mundo é muito injusto…)
“Dar à língua” é uma coisa que toda a gente faz, uns com mais jeito e frequência, outros com menos.
A “língua afiada” das comadres é uma instituição nacional e o linguarejar também. Das comadres e dos compadres e muito especialmente daqueles que só sabem dar à língua, que falam muito e fazem pouco.
Depois há a linguagem, o linguagista, o linguajar, o lingual, o linguaraz, o linguareiro, a linguariça (que é como os alentejanos chamam à linguiça), o linguarudo, o lingueirão (na vertente de língua grande). A lingueta (que é a irmã mais pequena do lingueirão, além de outras coisas), o linguete (que ainda é primo), o liguífero (que tem língua ou órgão em forma de língua, ah, ah, ah, esta faz-me rir), o linguiforme, o (ou a) linguista, que trata da linguística, há a linguística que é sujeito e o linguístico que é adjetivo (prazer em conhecer-vos), há o liguístico-literário (que quase podia ser eu agora), há (já poucas, direi eu) a lìngula (espada romana, estreita e comprida) e, quase para finalizar, há a linguodental e a línguopalatal.
Acabo em grande com o língurteiro que é um linguareiro que quis ficar no fim da lista, talvez por ser um falador maldizente, um bisbilhoteiro, um tagarela. Aqui está uma coisa que eu não sou…
Claro que não falei no linguado, pois não o podia meter no mesmo saco. Para o fim deixam-se sempre os amigos e já por diversas vezes ao longo deste blog me tenho referido ao “meu amigo linguado” com que sempre me dei muito bem.
E para além do peixinho pleuronecto de corpo achatado que ele é, e tem orgulho em ser, também há outro linguado de que eu gosto especialmente.
Uma pequena pausa, para criar o suspense que a cena requer… e lá vem ele, o linguado de papel, que como toda a gente sabe é uma tira de papel onde se escreve o texto destinado à impressão (escrevia, direi eu hoje, porque toda a gente, da imprensa pelo menos, escreve nos computadores). Até eu, não sendo jornalista, ainda hoje, se tenho de tirar um apontamento ou escrevinhar qualquer coisa à mão, escrevo em tiras de papel (em geral divido uma folha A4 em 3 tiras horizontais).
E foi este um pequeno tratado sobre a língua, que não esgotei, onde não disse tudo o que sei, porque temos sempre de reservar qualquer coisa, para não nos acusarem de sermos uns línguas de trapos.
Ora um língua de trapos, para além de desbocado e intriguista é também um trapalhão que faz mal o serviço com a língua.
E eu, não sou um língua de trapos.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.