Quinta-feira, 15 de Novembro de 2012

Conversa de dois pinocas

 

Numa das minhas últimas visitas ao Porto, descia eu, a penantes, a Rua de Santa Catarina e já quase a chegar à Praça da Batalha, fui abordado por um mânfio, que se me dirigiu assim:

- Eh pá, andas por aqui? Ainda trabalhas lá firma? Não me conheces?

Olhei-o como se olha para um eucalipto que de repente nos aparece na estrada, revirei os olhos para ver se me recordava daquelas fuças, a música não me era estranha, e ele atacou de novo.

- Sou o Manel, pá, o mangas da expedição.

Entrei no jogo.

- É pá tás mais gordo! Não te reconhecia. Andas no comércio de carne, agora? – E com o queixo apontei para os lados em que estava aquele pedaço de carne da perna, que vinha com ele. - Parece a Ivete, Sem Galo - rematei.

- Deixa-te disso pá, é a minha secretária, tem juízo ou andas com as noias todas cegas?

- Tá bem tá, para onde tu vais já eu de lá venho. Então vendes spides, rodinhas ou andas na sustrice?

- Ah! ah! continuas o mesmo gozão; mas ainda trabalhas lá ou não?- Insistiu.

- Achas-me com tabuleta disso? Ando por aí e por acolá a ver se descolo algum graveto. – E deitando de novo os holofotes, a tirar-lhe as medidas, para o pancadão que se tinha afastado a olhar para uma montra, perguntei:- aluga-se ou vende-se?

- Não insistas pá, não mandes mais bitaites ou queres que te parta a cramalheira? Aquilo tem dono.

- Pronto pá. Não se fala mais nisso.

- Olha, tenho ali na carrinha um material mesmo bom para ti. Coisa fina.

- Agora fazes entregas ao domicílio?

- Porra pá, não estejas a mangar comigo. Anda daí ver. Olha que até a marquesada me tem comprado daquilo aos molhos.

- Mas afinal que material é esse? Come-se, bebe-se ou cheira-se?

- Poça pró nevoeiro pá. É assunto sério: Anda ver.

Pelo caminho:

- Tenho ali um número, em preto, que te vai assentar que nem uma luva, preço da uva mijona, mesmo só para amigos.

- Poça pró tango pá! Eu a julgar que tinhas por aí alguma faneca para um refustedo, de papar ou falar ao microfone e vens-me com a porra dos chiantes…

- Cais chiantes cais merdas. Casaco de pele de 1ª ao preço do arroz de quinze, olha-me pra isto! Made in Marrocos, até tem pelo de camelo e tudo. Um luxo!

- Tás pirado, pá. Não tenho pastel para luxos desses, nem penses... – e fui saindo de fininho enquanto ele voltava a meter a mercadoria na carrinha.

Já de longe gritei-lhe: - É pá, lá na firma nunca houve gajo da expedição! – e dobrei a esquina apressado, não fosse o diabo tecê-las.

                                            ***

Quatro ou cinco meses antes, tinha sido abordado em Lisboa pelo mesmo mangas. Entrou exatamente com a mesma conversa, eu ainda admiti que fosse alguém que tivesse trabalhado comigo e eu não me lembrasse já dele, mas logo percebi o “golpe” e só lhe disse que ele estava a confundir-me com outro e segui em frente. Estava ele encostado ao carro junto ao passeio em que eu passava e dentro do carro uma zobaida vistosa, rodilhona certamente como ele, mas não sei se era a mesma “secretária” que o “assessorava” no Porto.

Por isso, porque já o “conhecia”, entrei na conversa, quando me abordou esta 2ª vez.

Uma coisa é certa. Devo ter cara de Zé artolas…

 

Nota: uma parte do calão empregado no texto foi tirado do glossário do livro “Porto naçom de falares” de Alfredo Mendes, publicado pela Âncora Editora.

 

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.        

publicado por Carapaucarapau às 18:52
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De maria teresa a 20 de Novembro de 2012 às 11:26
Já tinha passado por aqui na 6ª feira, ri-me tanto na altura que não consegui comentar.
Não tenho o " Porto naçom de falares" o que é uma enorme chatice, gostava de te responder à letra!
Não te respondo à letra, respondo-te ao meu modo.

Tens-mi andadu a inganare mê malandru do catanu, pinsava qui eras um sinhore no final és um falsificadore.
Pra saberes tantu inredu já andasti no enganu, mas a partire deste mumentu não me enganas tu mais.

Adorei!
Abracinho meu!


De Carapau a 20 de Novembro de 2012 às 15:15
Aí vai aço!
O teu falari é mais da banda do Alentejo que da terra das tripas, mas eu entendi tudo. :)
É o 3º comentário a dizer que eu sou isto, aquilo, um
"malandru do camandru" no teu dizer.
Eu, um Sinhore, carago! Qualquer dia ainda me chamam o Ponas das Fontainhas, ou dizem que sou algum pássaro bisnau. Logo eu que nem Pipi-da-tabela sou. Ou que sou um ramadola! Pior ainda.
Deve ser uma campanha a soldo de qualquer "putência" estrangeira, para me desacreditarem. :)
Sabes o que te digo? "Não tenho mais que pôr ao lume"! :)
E agora não venhas para aqui pedir cheguinhas ou pessanga que não te perdoo. :)
Mas como és boa pessoa (deves ter sido influenciada pelas más companhias) e és uma marmota jeitosa, e de ti não se pode dizer que "só tens chassis e pintura", ainda levas "aquele beijo" a que ganhaste direito. :))
(Se não entendeste tudo, vai ao google translate)


De maria teresa a 20 de Novembro de 2012 às 15:34
Chiça! Fiquei com um olho negro, a barra era mesmo de aço puro, perdoo-te porque valeu umas massas valentes, na Feira da Ladra.
E pensando bem, porque às vezes penso mal, confesso: as "outras" pagaram-me uns tustes para te atacar, eu aceitei logo porque o tempo é de crise e uma "croazitas" sem pagarem imposto dá cá um jeitão do caraças!
Beijinhos e abraços


De Carapau a 21 de Novembro de 2012 às 18:26
Logo vi. Uma cabala organizada para denegrir cá o peixinho.
Um dia hão-de pagá-las! :)
Bjo (mas cuidado com o fisco que ele fruquenta os blogs...)


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