O almoço estava apalavrado há muito e hoje foi o dia. O almoço é só o pretexto para uma longa conversa sobre tudo o que venha à baila. Desde o que aconteceu a semana passada até ao que aconteceu, pelo menos há um século. Quando quero saber qualquer coisa sobre um antepassado recorro a ele. Nomes, datas, acontecimentos relacionados com a família, sabe tudo. Às vezes duvido que ele tenha a certeza que p. ex. em 15 de abril de 1875 fulano tenha casado com Sicrana, mas a verdade é que o afirma tão convictamente que eu limito-me a sorrir. A conversa, aliás, decorre sempre num tom de galhofa, brincando nós com certas situações que pretensamente se passaram. Da medicina à engenharia, da política à história e à agricultura, não fica calado em nada. Como se entendeu já, trata-se de um senhor já de provecta idade, um amigo desde sempre e hoje o mais antigo elemento da família.
Depois do almoço fomos verificar “in loco”, para tirar dúvidas, um edifício sobre o qual tínhamos tido uma discussão e acabamos no campo para me mostrar e ensinar as experiências que anda a fazer com algumas árvores de fruta.
Às tantas virou-se para mim e disse: “deves estar a pensar e a perguntar-te porque razão um tipo da minha idade ainda se preocupe com estas tretas ligadas à fruticultura”
Sorri, encolhi os ombros, respondi que não estava a pensar em nada mas sim a tentar aprender alguma coisa, mas ele fez que não ouviu as minhas palavras e continuou:
“É a velha história do velho agricultor e do rei. O rei viu o velho agricultor a plantar uma nogueira, árvore que leva muitos anos para dar o primeiro fruto e perguntou-lhe por que razão sendo ele já velho ainda plantava uma árvore daquelas. O velho respondeu: “Saiba Majestade que quando eu nasci também já cá encontrei árvores plantadas”. O rei respondeu: “grande lição me acabas de dar, meu velho homem. Para te recompensar toma lá esta libra em ouro”. Então o velho dobrou-se um pouco sobre a árvore que tinha plantado e disse: “ainda agora te acabei de plantar e já me estás a dar lucro”” .
E o meu velho amigo sorriu e acabou a conversa dizendo simplesmente: “como vês…”
Qualquer dia vamos ter outro almoço. Ficou prometido.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
De Teresa Santos a 23 de Agosto de 2012 às 21:12
Sabes? Quando ainda se tem capacidade de conversar aprende-se sempre. O problema é que esse salutar hábito está a cair em desuso.
Pronunciam-se palavras. Umas ouvem-se, outras? Outras nem isso!
Tens diálogos de surdos, diálogos em que cada um fala para si próprio. Aprender?!...
Se bem que um pouco fora do tema do post, não posso deixar de (re)pensar que, em termos comportamentais, ou melhor, a forma de estar na vida de agricultores e pescadores é muito diversa. Ainda que em comum tenham uma grande dose de sabedoria, o homem da terra, talvez por ser mais telúrico, vive mais em função de si próprio.
O pescador é muito mais solidário, mais amigo do companheiro de faina. Há como que o respeito pelo princípio tácito, do: "um por todos, todos por um"
Será que o mar é agregador do Homem? Quase me atrevo a dizer que sim!
Abraço grande
(barbatanas? Como quiseres. Não dispenso o abraço!)
De Carapau a 24 de Agosto de 2012 às 10:49
Olha só a confissão que me "obrigas" a fazer: eu, Carapau de águas não muito profundas (gosto de ver o que se passa lá por fora), sou mais de terra que de mar. Carapau capaz de dormir debaixo dum pinheiro, já viste uma coisa destas? Um Carapau telúrico é quase uma coisa do outro mundo. Pensando bem, qualquer dia mudo o nome do blog para Rato do Campo ou Lobo Esfaimado, ou Raposão da Titi, ou Galo do Campo. :)
Assunto a pensar.
Quanto às tuas considerações sobre Pescadores/Agricultores...acho que estão bem observadas e com a sua razão de ser, ainda que eu, pelo menos enquanto for Carapau, dos pescadores quero é distância.
Abraço (tb não dispenso os teus mesmo quando impões condições) :)
De Teresa Santos a 26 de Agosto de 2012 às 22:06
O que gosto de confissões!...
Um Carapau telúrico? Enfim, erros da mãe Natureza!
És muito cusco ", és, já tinha reparado.
Mas tem cuidado. Qualquer dia apanham-te a espreitar e nem precisam de cana! Sim os tais, os pescadores.
Quanto ao assunto a pensar, aquele dos nomes futuros, que tal "esquilo"? É tão lindinho, mas tão lindinho!
Lindinho o animalzinho, lindinho o nome, claro! Ou o que pensavas que era?!
Manias!!!!
Abraço grande. (esquilo? Pelo menos não pica!)
De Carapau a 28 de Agosto de 2012 às 12:36
Olha o esquilo!!!
Será aquele que me anda a comer as nozes? Já o fotografei, mas não dá para o mostrar aqui. Vou tentar chegar a fala com ele a ver se quer tomar conta não só da nogueira mas também do blog.
Abraço.
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