Sábado, ao fim da manhã. Eu bebia uma água sentado numa esplanada. Todas as outras mesas estavam ocupadas por grupos de estudantes universitários em “atividades de praxe”. Quase todos eram raparigas, o que não é de admirar. Eu estava meio distraído a olhar para o vai e vem das pessoas. Havia um movimento anormal aquela hora, porque tinha acabado um congresso sobre endocrinologia e diabetes, que tinha tido lugar na zona. Viam-se as pessoas a passar apressadamente para apanharem os seus meios de transporte. Umas já de mala aviada, outras com sacos e mochilas, que a organização tinha distribuído.
De repente dou comigo a olhar para um casal já de certa idade que tinha entrado na esplanada e se tinha aproximado da balaustrada. Eram ambos pequeninos e, equipados a rigor, pareciam dois miúdos que iam a caminho duns “pontapés na bola”, pois envergavam ambos a mesma indumentária: T- shirt vermelha, calção bege, pelos joelhos, peúgas pretas e ténis. Na cabeça, também bonés iguais, da cor dos calções. Pendurados ao pescoço traziam: ela, uma máquina fotográfica, e ele uma máquina de filmar e uns binóculos. Pernas e braços de magreza acentuada. Aliás notava-se que já tinham entrada naquela fase em que tudo encolhe. A partir daí a minha atenção virou-se para o casal. Passados uns momentos, “puxaram” das respetivas máquinas e vá de fotografar e filmar a “paisagem”. De vez em quando diziam qualquer coisa um para o outro. Por fim arrumaram o “equipamento” e tornaram a entrar no edifício. Por poucos minutos, pois logo apareceram com uma bandeja, duas garrafas de água e dois copos de plástico. Deram uma vista de olhos a tentar descobrir uma mesa vaga, mas não havia. Quando olharam para mim, sorri-lhes, fiz-lhes um sinal com a cabeça e indiquei-lhes as duas cadeiras vagas na minha mesa. Sorriram também, avançaram para mim, agradeceram e sentaram-se.
Tivemos uma conversa “animada” em diversas línguas, incluindo o esperanto. Eram ingleses. Vieram uma vez mais a Portugal. Viajavam muito. Às tantas ela viu um enorme cartaz duma empresa da indústria farmacêutica a gritar ao mundo a excelência da sua “bomba” para diabéticos, e tirou uma fotografia ao cartaz. Expliquei que tinha havido ali ao lado um Congresso e aquela farmacêutica deveria ter sido uma das patrocinadoras. Eles sabiam. Um neto deles, médico, era congressista e estavam ali exatamente à espera dele para almoçarem juntos. Depois o neto embarcaria para Inglaterra e eles iam ficar mais uns dias. Eu fiz-me de “lucas” e expressei a minha admiração por terem um neto “já” a frequentar congressos científicos. A minha falsa admiração resultou. Disseram-me a idade: ele 85, ela 83.
Já tinham “corrido” quase todo o mundo, viveram uns anos no oriente e agora viajavam para não estarem fechados em casa. Partiam no dia seguinte para o Porto para subir o Douro de barco e conhecer a região.
Estavam interessados em, brevemente, visitar as ilhas Falklands e depois a Argentina. Seriam diplomatas da paz, pensei eu a sorrir.
Acabaram de beber as águas, agradeceram uma vez mais e lá partiram, como tinham chegado. Passos curtos mas rápidos, prontos para correr mundo. Levantei-me também, segui-os durante uns metros e lamentei ter deixado no carro a minha máquina fotográfica. Teria apresentado aqui as suas figuras, de costas pois claro, para a posteridade.
Também gostaria de lhes ter dado um abraço, mas a tanto não chegou a nossa intimidade.
Mentalmente desejei-lhes saúde e longa vida para percorrerem os longos quilómetros que ainda têm pela frente.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.