(Podia ser este, mas é bem maior)
“Eles” são os cães. Em geral tenho um bom relacionamento com eles e eles comigo. Entendemo-nos.Mas há sempre exceções.
Por estes dias tenho por vizinho um Serra da Estrela que não nutre por mim nenhuma simpatia. Conheci-o era ele pequeno de 2 ou 3 meses e aí o nosso relacionamento foi fácil. Depois estive largos meses sem o ver e quando nos voltamos a encontrar tudo tinha mudado. Ele era já um cão de avantajado tamanho e com uma força brutal e à minha tentativa de aproximação reagiu da pior maneira, avançando para mim ameaçador, a ladrar e de dentuça afiada. Durante dias fui tentando a aproximação sem resultado. Até que um dia me saturei das suas “ladradelas” e das suas ameaças e avancei para ele empunhando um pau e gritando-lhe alto e bom som.
Ele recuou, calou-se e ficou a mirar-me ao longe. A verdade é que a partir daí a situação só piorou. Eu senti isso imediatamente. Eu tinha-o humilhado e ele não ia esquecer. Um ano depois tentei “fazer as pazes”, ele pareceu-me mais pacato e um dia arrisquei oferecer-lhe uma bolacha. Atirei-lha um pouco de longe e ele deixou-a cair, farejou-a e depois acabou por comê-la. Tentei dar-lhe uma segunda à mão, aproximei-me até ao limite que a trela dele permitia e estiquei o braço com a bolacha na mão. Ele aproximou-se, abriu a boca e quando estava mesmo a chegar à bolacha deu um esticão e só não me mordeu a mão porque eu a retirei a tempo. Ainda me “lambeu” a ponta dos dedos.
Estamos nisto: respeitamo-nos (tememo-nos, para ser mais exato) e ele já deixa de me ladrar quando eu lhe falo. Mas não passamos disto até porque a nossa convivência é por curtos períodos e o afastamento por longo tempo.
Sinto pena por isso e ele nunca saberá o que perde por não ser meu amigo. Eu poderia contar-lhe histórias doutros que já estiveram no lugar que agora ocupa e sobretudo dum deles, o que inaugurou a dinastia dos cães sempre com o mesmo nome. Eu contar-lhe-ia como um rafeiro vira latas se fez meu amigo, das aventuras que fizemos durante uns anos, de como ele era o melhor caçador das redondezas, como tinha a sua personalidade, como era respeitado e querido pelas pessoas e pelas cadelas, como era respeitada a sua competência. Tudo isto sem linhagem nem pedigree como ele, mas que se impunha pela inteligência. Contar-lhe-ia como caçávamos coelhos no período de caça, os dois desarmados, mas atentos e sabendo tudo sobre como caçar. E de como para além dessa atividade de ócio ele se dava ao respeito e cumpria o seu papel de cão de guarda.
Mas o Serra da Estrela não quer ser meu amigo, não quer saber das minhas histórias e das dos seus antepassado e eu nem perco tempo a tentar contar-lhas.
Enfim, cada um de nós perde um amigo, e ele nunca irá saber as histórias de vida dos que o antecederam. Vai ser um ignorante bruto e violento e nada mais que isso.
Acontece a muito boa gente…
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.