O que é a felicidade?
Esta pergunta está na base duma célebre anedota baseada nas conversas entre um barbeiro e os seus clientes.
Depois de bem recostado na cadeira do barbeiro, já com o babeiro atado ao pescoço e depois de dizer que queria “cortar um bocadinho por todo ele, não rapar muito atrás, dar um toque nas patilhas…” o cliente era confrontado com a sacramental pergunta:
- V. Exa. é feliz?
Apanhado de surpresa e sem saber o que responder ao Fígaro, o cliente lá arranjava uma resposta, em geral entre o “nem por isso”, o “sou mais ou menos” ou o “não sou nada”.
Para estes a resposta do barbeiro era:
- Mas isso não é motivo para não felicitar vivamente V. Exa. pois nos tempos calamitosos que vão correndo a felicidade é coisa bem difícil de alcançar!
Era portanto um barbeiro que fazia jus à profissão e à fama, pois é conhecida a verborreia de tais profissionais.
Um dia apareceu um cliente que à pergunta “V. Exa. é feliz?” respondeu “sim, sou muito feliz” e apanhou com a lenga-lenga habitual:
- Mas isso é motivo para felicitar vivamente V. Exa. pois nos tempos calamitosos que vão correndo, a felicidade é coisa bem difícil de alcançar.
O freguês deu um salto na cadeira, levantou-se e, de pé, frente ao barbeiro, respondeu:
- A isso obtempero eu, que à inconsequente calamidade dos tempos que vão correndo, há que opor a serenidade do pensamento humano, que sirva cabalmente as razões imperativas dos nossos desejos.
Reza a anedota que este último freguês também era barbeiro.
A verdade é que tenho pensado no que eu responderia se apanhasse o tal babeiro pela frente (o barbeiro dono da barbearia, não o barbeiro cliente).
Se calhar, dependendo do dia, da hora, e do horóscopo, responderia como a maioria, dizendo que não tenho muitas razões de queixa.
Mas pensando melhor, olhando em volta e vendo o que me cerca, a maneira como já vivemos no presente e o que nos espera já ali à esquina, a falta de perspetiva para o futuro próximo (e o longínquo já não me diz muito), vendo o cardume de carapaus já com as escamas a cair e o dos jaquinzinhos todos vivaços, mas que nem se apercebem em que águas terão de nadar, tenho uma grande vontade de mandar o barbeiro à merda mai-la sua pergunta, de arrancar a toalha à volta do pescoço, de deixar crescer o cabelo ou cortá-lo à pedrada e gritar-lhe a minha profunda tristeza por ter nascido aqui neste mar poluído pela desonestidade desenfreada, pela incompetência generalizada, por pertencer a um cardume que não escolhi e por não ter sido arrastado numa das várias ocasiões em que o poderia ter sido e consegui escapar.
Depois, penso em algumas pequenas felicidades que também vou tendo, confronto-me e conforto-me com certas atitudes que vou tendo e acabo por sorrir com a anedota dos barbeiros.
E escrevo mais um post, que é exatamente o retrato da situação que estamos condenados a viver: uma anedota.
Pela segunda vez, merda!
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.