Alice (a do norte)
Era casada, tinha dois filhos já adultos, já era avó de dois netos, filhos da filha mais velha. Morava com o marido e o filho mais novo. O marido não trabalhava, tinha uma pequena reforma, o filho fazia umas coisitas mas ficava com o dinheiro e só ela trabalhava no duro, para sustentar a casa. No entanto era o marido que ficava com o dinheiro todo e só lhe dava o que ela precisava, fosse para o “passe” nos transportes públicos, fosse para comprar umas cuecas, fosse para carregar o telemóvel. Tudo contado e devidamente justificado. Além disso tratava-a mal. Ela dizia que ele nunca lhe tinha batido, mas insultava-a por dá cá aquela palha e controlava-lhe os passos, para além de lhe “controlar” o dinheiro, como já ficou explicado. Os filhos também fingiam que não sabiam de nada, não queriam chatices com o pai ou então tinham medo dele.
Ela era muito católica - apostólica - romana não queria ouvir falar em separação ou divórcio. O lema dela era “tenho de carregar a minha cruz, como Cristo carregou a dele”.
Um dia o acaso pôs-nos frente a frente. A conversa começou por banalidades e acabou na “confissão” que deixei acima. Insurgi-me contra aquela situação e tentei abrir-lhe os olhos. Ou a mente, já que me parecia que ela “via” bem. Argumentei e argumentei, dei exemplos e fiz perguntas, perdi o meu latim que esbarrava contra uma barreira de ideias feitas. Era de desanimar. Porém eu pressentia que ela gostava de falar comigo, aliás ela também mo dizia, e eu não desisti. Um dia, em desespero de causa e vendo que não a convencia a nada, dei-lhe o telefone e a morada da APAV para ela passar por lá, expor o seu caso ou, pelo menos, fazer um telefonema. Disse-me que ia pensar, mas que eu já sabia qual era a posição dela sobre o assunto.
Passado pouco tempo informou-me que uns dias antes, depois do marido sair de casa, ela ligou para a APAV e começou a falar. O marido entrou inesperadamente em casa, apanhou-a ao telefone e ainda ouviu parte da conversa e foi o bom e o bonito. Entre outras coisas retirou-lhe o telemóvel.
Não resisti e chamei-lhe burra, assim com todas as letras. Dei-lhe um último conselho, antes de eu ir para férias. Que a partir do emprego voltasse a telefonar para a APAV. E disse-lhe que esperava que quando eu voltasse já ela tivesse mudado de ideias.
Uns dois meses depois, voltamos a falar. Já estava à espera da conversa do costume e das justificações tipo “a minha cruz é esta”.
Eis senão quando ela me conta uma história das mil e uma noites. Estava divorciada!
Não acreditei. Perguntei como era possível? Então ela disse-me que chegou a falar com a APAV, que estava já pronta para seguir os conselhos que lá lhe deram, mas que entretanto o marido arranjou outra mulher, ele propôs o divórcio e em três tempos resolveram o assunto.
Hoje vive com o filho, que entretanto também se zangou com o pai, e só não diz que é muito feliz, porque a vida não vai para grandes felicidades, mas que ela continua a trabalhar e o filho também se empregou.
Qualquer pequena influência que eu possa ter tido ficou sem efeito, pois na verdade, foi a “outra” que resolveu o problema. Ironias do destino…
Aviso à navegação: são três as Alices como se diz no título. Um imprevisto acontecido com a 3ª obriga-me a adiar a sua publicação. Portanto a sua história não será no próximo post, mas em tempo oportuno ela aparecerá.