O homem dirigiu-se a um armário, retirou uma caixa de papelão e trouxe-a para o hall de entrada do pequeno apartamento onde vivia.
Faltavam poucos dias para o Natal e ele achou que era altura para fazer o presépio. Preparou um pequeno espaço num móvel que aí havia para poder dispor as figuras. Olhou para dentro da caixa e a primeira figura que tirou foi um soldadinho de chumbo bastante maltratado e sem uma boa parte da pintura. O homem encontrara-o há uns anos na rua. Fez-lhe lembrar um soldado dos exércitos de Napoleão e, considerando o estado em que se encontrava, baptizou-o logo de “Waterloo”.
Desde esse ano, “Waterloo” também entrava nesta operação de montar o presépio. Não que o integrasse, mas tinha direito a sair da caixa e a ficar também em cima do móvel suficientemente afastado para não pertencer à cena, mas perto o bastante para a mirar ou mesmo a proteger.
Todas as restantes figuras também tinham a sua história e levaram uns anos a reunirem-se na caixa onde o homem as guardava. Eram desirmanadas, umas grandes, outras mais pequenas, não obedecendo a uma escala comum. Mesmo algumas figuras não eram bem as do presépio tradicional. A vaquinha era aqui representada por um possante boi castanho avermelhado e o burro era aqui uma pequena mula quase preta.
Para o homem isso não tinha importância nenhuma, até porque aquelas figurinhas lhe eram familiares. À medida que as retirava da caixa e as colocava em cima do móvel, ele tratava-as pelo nome. O “Amarelo” fica aqui, a “Carriça” fica do outro lado, o “senhor José” e a “senhora Maria” ficam aqui à frente. E tu, “menino” ficas aqui no meio, bem protegido.
Em poucos segundos ficou pronto o presépio.
Nem gruta, nem estrela, nem manjedoura, nem mais uma figura. Nem musgo. Apenas muita e pura emoção a rodear todo aquele conjunto. E tão pura e tanta que uma lágrima começou a rolar pela face do homem. Também não havia os reis Magos.
Nessa altura alguém bateu à porta. Ele enxugou a lágrima, deu dois passos e abriu-a.
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Para todos os que habitualmente fequentam esta caverna, para os que já deixaram de a visitar e para outros que possam vir a frequentá-la dedico este pequeno conto com votos de Feliz Natal.