Os franceses diziam que « la différence entre l’homme et la femme, c’est que la différence entre » .
Eu escrevi « diziam » em vez de « dizem » porque, ao que parece, há cada vez mais diferenças que não entram. É certo que mesmo entre as próprias diferenças há diferenças, pois hoje há muitas diferenças envergonhadas que já nem à porta batem, quanto mais entrar. São em geral diferenças cabisbaixas, que acabam por ser atacadas, geralmente por trás, por outras mais ousadas.
É bem verdade que as palavras são como as cerejas e os pensamentos ainda pior, porque nem caroço têm e assim fui-me deixando arrastar por elas – pelas palavras que não pelas diferenças, entenda-se – quando o meu propósito ao começar este post era bem outro, ou não, porque no fundo isto anda tudo ligado.
O que me fez escrever este post foi uma apreciação que ainda há pouco fiz ao observar o ar de êxtase com que duas representantes do sexo feminino apreciavam uma montra de sapatos.
Não direi que pareciam estar a atingir o sétimo céu, seria certamente exagerado, mas entre o quinto e o sexto andavam com certeza. E foi a partir disso que me pus a pensar em como são diferentes os homens e as mulheres, para além daquela teoria inicial com que tão “brilhantemente” abri este escrito.
Assim um homem, ao calçar os sapatos numa bela manhã, olha-os com mais atenção e percebe que estão a dar as últimas. Pensa: “tenho de comprar outros chanatos logo que tenha tempo”.
E, na 1ª oportunidade, dá uma volta por duas ou três montras, escolhe uns sapatos, entra, aponta “quero um par daqueles” e diz o número. Três ou quatro minutos depois está na rua com os sapatos debaixo do braço.
E lá vai cuidar da vida, podendo mesmo acontecer que esse “cuidar da vida” tenha a ver com as diferenças acima referidas.
Uma mulher não. De manhã quando se levanta pensa em muitas coisas, certamente que algumas dessas coisas são até muito sérias e nem têm a ver com as tais diferenças (sempre elas, reparam?) e também “vai à vida”, qualquer que seja essa vida.
Mas (sempre o terrível “mas”) se acontece que no seu “tratar da vida” tem de passar por uma montra, o mundo aparentemente organizado e rigoroso treme nos seus alicerces, o sol perde parte do brilho, a terra chega por vezes a abanar e ela pára. Sapatos! “Olha aqueles tão giros. E aqueles ali… Se tivessem uns um bocadinho mais claros… vou entrar. Pode ser…”
Antes de ela entrar, vamos nós entender-nos aqui. Ela tem, pelo menos, uns trinta pares lá em casa, e à maior parte deles, só os calçou uma ou duas vezes, porque “afinal não era bem isto que eu queria”. E só porque no seu “disco rígido” está gravada esta informação, ela entra exactamente na loja porque “aqueles sim” são exactamente aqueles com que sempre sonhou e além disso até são giríssimos. “Giríssimo” não é o material de que são feitos, seja cabedal, calf de 1ª qualidade, pano ou plástico.
“Giríssimo” é quase um estado de alma.
Apressando as conclusões: ela entra, desfaz a loja de alto a baixo, calça, descalça, torce o nariz ou não e duas horitas depois (convém dizer que cada “horita” tem uns 90 minutos) ela sai da sapataria. Com os sapatos? Às vezes sim, às vezes não e então lá terá de recomeçar tudo noutra loja.
No fim da aventura, repara que “já é tarde”, lembra-se que tinha de levar manteiga para o pequeno almoço dos pequenos, mas acha que já não tem tempo e corre para casa, pensando que afinal a manteiga até nem faz muito bem à saúde, o melhor é impingir-lhes a marmelada que a mãe lhe ofereceu e que os miúdos não gramam. Nessa retirada apressada, ainda arrisca um olhar para mais duas ou três montras.
Estas sim, eram (são) as diferenças a que eu queria chegar ao começar o post.
As hormonas, as testosteronas, as feromonas (neste caso dos sapatos – os sapatos novos exalam umas feromonas especiais, os fabricantes já as aplicam) e sobretudo as “monas” diferentes é que ditam este diferente comportamento “entre l’homme et la femme”.
“Ainda bem” penso eu agora, senão não tinha escrito este “maravilhoso” post…