(Ora ponha aqui, ponha aqui o seu pezinho…)
- Bom dia!
- Olá, bom dia! Fung, fung, fung….
- Funf, fung, fung? Que vem a ser isso?
- Estou a rir-me. Não é a primeira vez. Sempre que me saltas para cima dá-me vontade de rir.
- Salto para cima?
- Tens razão, não é bem assim, até és delicado…mas que queres?
- Que quero? O costume, ou pensas nalguma coisa diferente?
- Eu simplesmente não penso. Mostro-te o resultado e fico calada.
- Para isso aqui estás. Mas explica, já agora, essas fung…adelas iniciais.
- É fácil e não resisto. É a minha maneira de rir. Quando te vejo assim de baixo para cima, todo nu com esse penduricalho, dá-me vontade de rir e não resisto. É só isso.
- Deixa-te dessas fitas. Ou gostavas mais que o penduricalho, como lhe chamas, não estivesse caído, a “olhar” também para ti?
- Interessa-me pouco isso e não quero entrar nesses teus trocadilhos. Ficas ridículo e é disso que me rio.
- Deixa lá o ridículo e diz-me lá como estou hoje.
- Na mesma. De há uns tempos para cá, estás na mesma.
- E passo eu uma vida de cão, para estar sempre assim?
- Não sei disso, nem sei mesmo o que é vida de cão. Já me basta esta vida de Balança, sempre aqui no canto, arrumada junto à parede. Nem a janela vejo.
-Querias estar no salão nobre não? Tem juízo e dá-te por satisfeita. Ao menos não apanhas humidade, nem frio nem calor.
- Também se apanhasse, já sabias o que acontecia à minha mola…
- E trata de manter a mola em forma, senão…
- Senão o que? Vens com as ameaças do costume?
- Do costume? Nunca te ameacei. Foi agora a primeira vez que…
- Já ameaçaste a Cadeira, a Porta, o Espelho e sei lá que mais. Passas a vida nisso.
- Sabes muito para uma simples Balança e ainda por cima das antigas.
- Sou antiga mas nunca te falhei. Ou já?
- Não.
- Então arranja uma dessas modernaças que trabalham a pilhas ou lá o que é e vais ver como elas te cantam. Volta e meia ficam caladinhas ou dizem que pesas uma arroba…
- Por falar nisso, sabes que há colegas tuas que falam?
- E eu que estou a fazer agora contigo?
- Mas elas falam mesmo. Outras conversas. Até sabem línguas e tudo…
- Interessa-me pouco. Também só te peso a ti e a … pouco mais. E só tu usas esse penduricalho.
- Outra vez?
- Que queres? Faz-me impressão.
- Pois a mim faz um jeitão. Percebes a diferença?
- Não, nem estou interessada. E se te faz assim tanto jeito, por que é que as outras pessoas que também me usam, mas não abusam como tu, não têm isso?
- Pergunta-lhes.
- Não são como tu. Nunca falam comigo.
- E tu gostas de falar comigo não?
- Ora! Dá para desenferrujar a mola…
- Isso. Tem cuidadinho com a mola, senão já sabes…
- Lá volta a conversa outra vez ao mesmo. Põe-me na sucata e arranja logo uma dessas que usam pilhas e falam, se calhar até cantam. Uma chinesa que até tem os olhos em bico e fica baratinha…
- Que sabes tu disso?
- O que ouço nas notícias. Aqui onde estou nem vejo nada, só ouço. E é só à noite…
- Sabes que além dessas há outras baseadas no efeito piezoeléctrico?
- Ena! O que tu sabes. E essas piezoqualquercoisa também dão o peso?
- Claro.
- A minha prima da cozinha já é dessas?
- Não. É como tu, uma antiquada. Além disso não tem uso. Já nem sei dela.
- Não tem uso? Então a pobre está assim tão mal?
- O problema não é estar mal ou bem. Não é utilizada. Aquilo na cozinha é outro reino.
- Ai não é a mesma república?
- Não. Sabes que hoje as coisas já vêm pesadas, medidas, em doses. Nada já é a granel.
- Granel?
- Depois ali predomina a alta tecnologia do “a olho”, “por palpite”, “mais coisa menos coisa”. É uma pitada disto, uma colher daquilo um gole de assim, uma mão cheia de assado. Para que é precisa uma balança?
- Oh coitada da minha prima, assim fica muito desvalorizada.
- Que queres? Agora só os adeptos da cozinha molecular ainda usam disso.
- Vais despedi-la?
- Não sei. Em princípio vai ficar por aí…
- Fico mais satisfeita. Um dia quando me mandares embora já não vou sozinha…
- Porta-te mal e vais ver… Já ando a desconfiar de ti. Marcas sempre a mesma coisa, não sei se não terás já a mola plasmada…
- P(l)asmada estou eu com essa tua conversa. Nunca enganei ninguém. Sou Balança séria…
- Qualquer dia faço um teste com o vizinho do lado. Ele pesa uns 150 kg quero ver se te aguentas com ele…
- Bem diz a Porta que não regulas bem! E a Cadeira também insinua…e o Espelho…
- O quê? Vocês falam uns com os outros sobre mim? Temos um sistema de escutas aqui instalado? Não me digas que também o Gravador está metido…
- Não, não é nada disso, só trocamos umas impressões, nós…
- Quero a verdade toda! Já!
- Mas eu…
- Já!
- Mas…ai…não me apertes … olha que eu gri…
- Já! Tudo! Vomita tudo o que sabes!
- Ai…eu…ai…tá bem… não apertes tanto, eu digo… tens quase 4 quilos a mais…
(Já nem em balanças podemos confiar...)