Na véspera de um já afastado Natal, seguia eu no meu belo carrinho pela então EN1 em direcção ao norte (a auto estrada A1 tinha então só alguns troços ao serviço), numa fila interminável de trânsito, quando a determinada altura do trajecto me apercebi que junto à berma da estrada uma mulher me fazia, discretamente, o sinal de pedir boleia. Encostei o carro à berma e ela correu para mim e perguntou-me se a podia levar até um ponto mais à frente meia dúzia de quilómetros. Entrou, e mesmo nem eu lhe perguntar nada, contou-me a sua odisseia desse dia. Que tinha estado com um cliente, que se tinha afastado um pouco da sua zona habitual, que estava com muita dificuldade em regressar pois o trânsito era muito, mas os carros iam “todos cheios com as famílias” e que por isso não lhes podia pedir nada. Que quando me viu sozinho não hesitou em fazer-me sinal e que estava muito contente por eu ter parado. Eu disse qualquer coisa como “pois, hoje deve ser complicado” ela confirmou e disse que até estava arrependida de ter vindo “trabalhar” porque além de não haver clientela, ia ter agora um problema para regressar a Lisboa, onde vivia. Ela e dois filhos. Fiquei também a saber que o filho tinha 6 anos e a filha 4, e que estavam em casa duma senhora, que durante o dia tomava conta deles, e onde ela também vivia.
Depois contou que o local onde normalmente esperava pelos clientes era um pouco mais à frente, perto havia um pequeno restaurante onde costumava almoçar e onde agora queria ficar. “Se eu tivesse pensado bem, hoje nem tinha vindo para cá. Com o trânsito que está e sem os camiões a circular, tenho certamente de voltar na camioneta da carreira, a não ser que no restaurante ainda arranje alguém que me dê boleia. Em geral são os camionistas que me valem, tenho bons amigos entre eles, alguns também são clientes, outros não, mas são eles que me trazem e levam de volta. Hoje o dia está estragado, só tive aquele cliente e se soubesse que ele me lavava para tão longe nem tinha ido”.
Eu continuava calado, de vez em quando olhava para ela e sorria, para lhe dar a entender que a ouvia com interesse.
Disse-me ainda que talvez nem fosse mau ter de voltar mais cedo, assim ainda ia a horas de comprar qualquer coisa para melhorar o jantar dos pequenos, ainda que já tivesse deixado dinheiro à senhora para umas compras extra.
Depois, apontando um largo que havia mais à frente ao lado da estrada, e onde ficava o restaurante, avisou-me que era ali que queria ficar. Entrei no tal largo, ela agradeceu-me muito, disse-me que eu tinha sido um anjo que lhe tinha aparecido. Eu sorri, respondi-lhe que não era nenhum anjo, que nem asas tinha, quando muito parecia mais o Menino Jesus. E quando ela, já fora do carro insistia nos agradecimentos, eu saí também, disse-lhe para esperar mais um minuto, e dirigi-me à mala do carro. Tinha lá uns bolos rei que levava para distribuir pela família e uns brinquedos para os mais novos, retirei um bolo-rei e algumas das bugigangas e dei-lhas dizendo que eram para os filhos.
E enquanto ela continuava a segurar no regaço as prendas que lhe dei, de boca aberta sem dizer nada, eu entrei no carro e preparei-me para arrancar. Foi quando ela finalmente falou. “Obrigada, não sei o que lhe hei-de dizer mais, quando o senhor por aqui passar procure-me que eu também lhe quero dar uma prenda”.
- Está bem, não se preocupe, depois vemos isso. Bom Natal! – respondi-lhe eu, enquanto lhe fazia um aceno de despedida e arrancava com o carro.
Nunca mais a vi, nunca mais soube nada dela, nunca recebi a prenda prometida…
Aqui está uma minha pequena história de Natal, de que não me esqueci, tanto assim que resolvi recordá-la, agora que estamos em vésperas de mais um.
Aos que aqui costumam vir, quer deixem rasto ou não, desejo um Feliz Natal e um Bom Ano Novo. Boas Festas!