Ontem ao ver um miúdo, que tinha andado numa gaivota, chegar à praia e começar a vomitar, lembrei-me duma cena passada “no tempo em que os animais falavam”.
Numa sexta feira de setembro, ao jantar com um amigo, ele desafiou-me: “que tal amanhã darmos um salto até Peniche? Disseram-me que andam por lá “maningue” de turistas francesas…”. (Explicação entre parêntesis: ele tinha estado 2 anos em Moçambique e era doido por francesas. Acabou por casar com uma sueca)). “Vamos?”.
Fomos. No dia seguinte, via Torres Vedras para uns pastéis de feijão e Praia de Santa Cruz, onde tomamos banho, almoçamos e curtimos a tarde na praia. Ao fim da praia rumamos a Peniche, arranjamos onde ficar, tomamos banho e fomos jantar. Eu sabia que em setembro já não havia turistas franceses (naquela altura a maior parte dos turistas que corriam o país de norte a sul eram franceses e refiro-me a franceses propriamente ditos, dos que “parlavam français” corretamente). Ao jantar já tínhamos concluído que nem turistas nem indígenas havia por ali à vista, ao cair da noite. Brinquei com o meu amigo sobre o assunto e então veio a alternativa, assim tipo “para não perdermos a viagem”.
- E que tal amanhã irmos até às Berlengas? – propôs.
É aqui que entra o miúdo de ontem a vomitar depois do passeio de gaivota. Nos meus tempos de menino e moço passava uns dias de praia na Nazaré e do “programa das festas” fazia sempre parte um passeio de barco a remos na foz do Alcôa, onde passávamos uma hora a brincar, remando, nas águas tranquilas. Quando desembarcava sentia sempre uma sensação estranha, um certo mal estar e uma certa sensação de desequilibro físico, que passava passado pouco tempo. Mais tarde soube que tudo não passava de um princípio de enjoo. Nisso pensei, quando o tema Berlengas veio à baila.
Aceitei mas resolvi ir a uma farmácia comprar uns comprimidos contra o enjoo. Já tinha ouvido falar que a travessia até às Berlengas era meio complicada e atendendo aos meus antecedentes…
O meu amigo tinha uma família ligada ao mar, quer enquanto comandantes de frota bacalhoeira quer como oficiais da marinha mercante, portanto com bastas costelas marítimas. Mas eu, mais ligado à terra…
No domingo, ao pequeno almoço, tomei 2 comprimidos (dose reforçada para dar confiança) e embarcamos pouco depois. No barco, tipo cacilheiro pequeno daqueles tempos, a grande maioria dos passageiros eram duma excursão do norte interior. Creio que só nós dois éramos estranhos ao grupo. O barco saiu do porto e rumou a norte junto à costa, durante uns minutos e a animação era muita. Depois, virou para o mar alto, rumo à Berlenga grande. Começou a apanhar ondulação forte e aí foi o bom e o bonito. Gritos, chamada a todos os santos e santas da corte celeste, tudo entre vómitos, gemidos e gritos de pânico. Água por todos os lados menos por cima, o ambiente ficou pesado e irrespirável. Eu e o meu amigo viemos para a ré do barco, ao ar livre. Aí fizemos o resto da viagem a conversar com um dos membros da tripulação. Era um açoriano habituado a fazer a ligação entre ilhas onde era habitual apanhar “mar forte”. Acabou por nos dizer que até ele já tinha enjoado naquela viagem para as Berlengas. “Hoje até está um bom mar comparado com o que apanhamos em certos dias. Depois, logo à tarde na volta, é totalmente diferente, o mar parece um lago”.
E assim a conversar lá chegamos às Berlengas. À tarde, na viagem de regresso, tudo calmo a tocar e a cantar. O marinheiro tinha razão, não parecia o mesmo mar.
Foi assim o meu batismo de mar alto, onde me portei como marinheiro experimentado.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
E tu Lince amigo, que é feito de ti? Navegas no Guadiana ou nem isso?
Fica provado uma vez mais que o deserto não alimenta vida. Qualquer coisa que nasça não se desenvolve. Ou toma uma forma raquítica ou morre.
Há meia dúzia de dias no meio dum areal imenso e por mais que tenha espremido as meninges, nenhum suco saiu. Daí o post não ter saído na data “convencionada”. Já tinha decidido que faria então uma pausa, quando o acaso me deu uma ajuda. Valiosa, como é sempre uma ajuda inesperada. Era perto da 1 hora da madrugada, ia deitar-me quando me entra pela janela aberta um inesperado “drone”, que choca contra mim e aterra no chão. Mais rápido que um gato a apanhar mosca, atiro a minha mão direita em forma de concha e aprisiono-o. Senti logo a gostosa comichão do gafanhoto na palma da mão. Fui fechando a mão com cuidado até que fiquei com ele entre o polegar e o indicador. Virei-o para mim e fitamo-nos olhos nos olhos. Pelo olhar, deve ter pensado “estou frito”. Depois, mirando-me com mais atenção, deve ter reparado nos meus olhos não amendoados e emendou (foi o que me pareceu pelo movimento dos olhos), “vai-me comer cru”. Sorri para ele, abanei a cabeça e perguntei: “que fazes aqui a esta hora da noite, num 3º andar? E nem as boas noites se dão?” Ele acalmou mas não respondeu e então fui à varanda, ensaiei um movimento de discóbolo e lancei-o ares fora para ele poder aterrar com suavidade num relvado próximo.
Deitei-me e fiquei uns minutos a relembrar os meus tempos de Ronaldo dos gafanhotos. Gafanhoto visto era gafanhoto apanhado. Só para provar a minha destreza pois logo os soltava. Se bem que várias vezes tenha pensado que têm umas certas semelhanças com os camarões…
Ficou assim provado que ainda não perdi algumas qualidades com a finta que esta noite fiz a este notívago.
Mas se sempre fui um Ronaldo para gafanhotos, também tive a minha temporada longa de Messi das lagartixas. Era só avistá-la e convencê-la a não se enfiar num qualquer buraco inacessível e era mais uma lagartixa apanhada. Umas vezes pela rapidez da finta, que a deixava pregada ao muro onde estaria a apanhar sol, e já estava entalada nos meus dedos ou então, com algumas mais difíceis, armando-lhes uma cilada com um caule fino duma qualquer graminia. Era só pôr-lhe o laço à frente que a curiosidade a levava logo a avançar um passo e no segundo seguinte estava a espernear no ar, agarrada pelo laço. Depois, satisfeito com o “meu treino”, soltava-a e “descalçava as chuteiras”.
A última que apanhei “à unha” foi há já muitos anos na aldeia do Baleal onde fui fora da época balnear. Era enorme e estava a apanhar sol na parede
duma moradia. Fugiu-me duas ou três vezes, fiz-lhe “marcação cerrada” e depois de muita luta lá a filei. Olhei-a bem nos olhos, ela fitou-me e abriu a boca como se quisesse fulminar-me com uma língua de fogo, assim tipo dragão do Baleal, mas depois de a convencer que ali quem mandava era eu, soltei-a e desejei-lhe longa vida.
Hoje, o gafanhoto descarado e intruso fez-me lembrar essas minhas “aventuras”; e graças a ele, ainda que atrasado, saiu o post.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
E tu, lince já alguma vez brincaste com gafanhotos e lagartixas?
Não, não me digas que os comes!
Há algumas coisas que nunca soube explicar as razões por que não simpatizo com elas. Posso citar três, assim de repente.
Cortar o cabelo (isto é, ir ao babeiro/cabeleireiro), meter combustível no carro e usar barba (seja “à intelectual” de 3 dias, seja à “antiga” dita “respeitável”). Uma ressalva quanto à barba: uma barba ou barbicha, curta, diariamente tratada, tipo “mefistofélica”, respeito-a, pelo trabalho diário que deve dar.
Parar para meter combustível no carro é outro problema, que não sei explicar. Daí que quando tem de ser, encho o depósito até ao “gargomilo”, para retardar a próxima ida.
O cabelo é outro problema. Ou está curto ou comprido. Quanto está no ponto, quer dizer que está a ficar comprido, a requerer uma visita ao “baeta”. Por isso costumo prolongar esta fase para além do que eu gostaria, mas o problema é sentar-me na cadeira dele. Mesmo que o “ele” até seja uma “ela” mais ou menos simpática, como já tem acontecido. Ultimamente arranjei um que me despacha em 3 tempos e não fala comigo. Não sei se por destreza do artista se por manifesta falta de pelo do cliente.
Durante a escola primária usei corte à máquina 1 com uma marrafa à frente, tipo pala de boné. Era o corte “oficial”. Mais tarde, já rapazinho, passei a usar risca ao lado e abundante “fixador” (quase goma arábica) para o amarrar ao sítio e andar sempre “penteadinho”. Mais tarde cabelo penteado para trás. Depois voltou o “risco ao lado” que se manteve até hoje, mas ao estilo “meia bola e força”, se bem que a bola tenha cada vez menos força.
A que vem esta treta toda?
Está na cara! Amanhã tenho de ir mandar cortar o cujo, agora que vem aí o calor e não tenho tempo para o pentear. Aliás, há muito que “pentear”, para mim, quer dizer passar os dedos pelo “sedoso pelo”.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
E tu, lince amigo, usas risca ao lado ou andas todo despenteado? Soube que um amigo teu passou a fronteira e anda à tua procura, do lado de cá. Já o viste?
Ultimamente tem havido tal berraria, que se vai prolongar por mais uns meses, que me lembrei dum poema que havia no meu livro da 4ª classe e que de vez em quando ainda digo parte dele, quando a ocasião mo reclama.
Mas em boa verdade não sei quem tem mais ou menos razão. Porém, com tal gritaria, o ambiente não é o melhor para pensar (pensar?).
Agora a palavra é do João de Deus, mas com uma explicação prévia: não vai na "forma de poema" tal como ele o escreveu, mas assim, corrido, como se fora prosa:
"Uma vez uma cabra, um carneiro e um cevado iam numa carroça todos três, caminho do mercado... Não iam passear, é manifesto; mas vamos nós ao resto. Ia o cevado numa gritaria, que a cabra e o carneiro não podendo na sua boa fé ccertar com a causa do berreiro, diziam lá consigo: Que mania! Cá este nosso amigo e companheiro por força gosta mais de andar a pé!... O caso é que o cevado gritou tanto ou tão pouco que o carroceiro perde a cabeça vai como louco saca o foeiro e diz: homessa ! Eu inferneiras tais não as aturo ouvir berrar há tanto tempo é duro o senhor não vê que esta não chora nem ao menos as lágrimas lhe saltam o que é tão natural numa senhora goelas não lhe faltam e de ferro o ponto é que ela as abra mas é cabra; teve outra criação não dá alguma sem alguma razão e julga que este cavalheiro é mudo? Tem propósito é sério é sisudo! às vezes, dá um berro que estremece tudo mas é só quando é preciso tem juízo miolo! Miolo... exclama o outro! pobre tolo! ele supõe que o levam à tosquia e por isso nem pia! E esta, pensa que vai de carro ao tarro vazar a teta pobre pateta mas porcos não se ordenham cevados não se ordenham nem tosquiam demais sei eu o fim com que se criam por isso grito e gritarei do fundo da minha alma até à morte aqui d'el-rei, aqui d'el-rei! Gritava como um homem.
Muita gente não discorre com tanta discrição infelizmente quando o mal é fatal a lamuria que vale que vale a prevenção mais vale ser insensato que prudente o insensato ao menos menos sente não vê um palmo adiante do nariz vê o presente! está contente! é mais feliz! "
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
E tu Lince, de quem não tenho notícias, ainda berras e gritas?