- Sim, quem fala?
- O Telefone.
- Sim, isso já percebi, mas quem está ao telefone?
- Ninguém.
- Ninguém? Quem fala então?
- Sou eu, o Telefone.
- A gozar comigo a estas horas?
- Não gozo, eu só telefono.
- Então deixa-me em paz e vai falar para a tua tia!
- Não tenho tia.
- Sorte a dela.
- Dela quem?
- Da tua tia, de quem havia de ser?
- Já disse que não tenho tia.
- Pronto, está bem, não se fala mais nisso. Mas que queres tu afinal?
- Falar contigo.
- Ai sim? E para quê?
- Para te dizer uma coisa.
- E se fosses passear?
- Não posso.
- Porquê? Estás a trabalhar?
- Agora não, só estou a falar contigo. Além disso…
- Além disso, o quê?
- …além disso não posso sair daqui.
- Daqui, donde?
- Do bolso das tuas calças.
- Como?
- Como ouviste. Aliás só ando quando tu andas.
- Então andamos os dois?
- A maior parte das vezes andamos.
- De braço dado?
- Não. Não tenho braços, nem pernas…mas vou a todo o lado.
- Sozinho?
- Às vezes, mas a maior parte das vezes, acompanhado.
- Por quem?
- Por quem me quer bem.
- E quem é esse “quem”?
- Tu.
- Eu?
- Tu.
- Está bem então. E tu, estás bem?
- Estou, aqui no quentinho.
- Ainda bem.
- E que fazes?
- A maior parte do tempo, durmo.
- Muito me contas, então. E quando não dormes o que fazes?
- Falo.
- Com quem?
- Com quem tu queres.
- E eu quero?
- Umas vezes sim e outras vezes não.
- E agora quero ou não?
- Agora não tens querer. Falas porque eu te falo.
- E que tens para me dizer?
- Um aviso.
- Que aviso?
- Que estou a ficar sem car…
E calou-se.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
E tu lince, já alguma vez me avisaste de alguma coisa?
1 – Serviços dourados e (quase) secretos
- O almoço estava bom?
- Lulas recheadas
- Jantas?
- No sítio do costume.
- Fazes bem. Lá é muito bom.
- Costumo jantar às 21.
- Parece que agora as ementas até são divulgadas na net.
- Claro, as novas tecnologias de informação.
- Temos de ter cuidado com o que comemos.
- Cada vez mais cuidado, mas temos de comer enquanto podemos.
- Mas não comendo muito de cada vez…
- Claro! Para não dar nas vistas… a proeminência da barriguinha.
- E por causa do Cltrl…
- O Dr. recomendou-me o máximo cuidado.
- E ele sabe o que diz…
- Mas temos de aproveitar…
- Sem dúvida.
- Já terá chegado nova remessa ao restaurante daquela…
- Disseram-me que sim.
- Então já se poderá comer hoje?
- Leva algum tempo a confecionar, é preciso partir a “carne” nas doses certas.
- Talvez seja melhor congelá-la uns dias. Talvez seja mais seguro, quero dizer, torna-se mais macia…
- O Dr. dirá…
- O que é preciso é o máximo cuidado a manejá-la, andam por aí uns comilões…
- A concorrência é grande e a inveja ainda maior.
2 - Conversa de “lojistas”
- Quem havia de dizer que com este clima de crise, o nosso negócio ia tão bem?
- É nos períodos de crise que se revelam os grandes administradores…
- Tens toda a razão. E nós sabemos disto.
- Claro. Precisamos talvez de admitir mais uns “marçanos”, já não damos conta do recado sozinhos.
- Também me parece. Quanto mais não seja para vigiarem a clientela…
- Claro, isso é importante. Neste tipo de negócio é preciso ter um olho no burro e outro no cigano…
- Vamos tratar dessas admissões o mais depressa possível.
- Tem de ser gente acima de qualquer suspeita.
- A nossa seleção é sempre rigorosa, só queremos os melhores…
- Como nós.
- Como nós, mas em que possamos depositar toda a confiança.
- Já reparaste que aparecem agora aqui pela loja uns clientes novos?
- Já. E alguns mexem, remexem, miram e remiram e não compram nada.
- É preciso cuidado com esses. Podem ser da concorrência.
- Mudando de assunto. Não te parece que os nossos aventais já estão um bocado coçados…
- É do uso, é bom sinal. Não me digas que estás a pensar mudar?
- De avental? Não, que ideia. Só que já dão muito nas vistas.
- Mas são imprescindíveis. Senão ainda nos confundiam com os “clientes”…
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
Andas completamente distraído, oh lince. Esta passou-te ao lado, nem a cheiraste. Habituado à ração, já nem sabes o que é um bom petisco. Olha que boa comidinha chinesa não falta…
Vários acontecimentos fizeram com que me esquecesse que hoje já é 5ªfeira e há uma “tradição” de séculos” de “sair” aqui um post, bem tirado, como se fosse uma cerveja em pleno verão, quero dizer, também fresquinho.
Ora o problema está na frescura. A meteorologia até dá uma ajuda, mas é preciso um pouco mais que um tempo fresco.
Cheguei aqui, neste palavreado, sem ainda saber sobre o que iria escrever, naquela fase de “encher chouriços”, quando as últimas palavras do primeiro período me puseram uma luzinha a faiscar à frente dos olhos. Era a ideia a chegar…
O caminho andado foi este: tempo fresco, frigorífico, ovos… eureka!
(O eureka não estava no frigorífico, já se conservou tantos anos sem frio, que se dá bem com qualquer temperatura). Já com os ovos a coisa fia mais fino, pois ou se comem mal saem da galinha (se não forem de codorniz, de pata ou perua) ou é conveniente guardarem-se no frio. Toda a gente sabe isto.
É portanto sobre os ovos que eu vou dizer umas coisas “interessantes”.
Ora, para fazer uma omeleta ou fritar uns ovos… perdão, não é sobre isto que vou dizer coisas, mas sim sobre assuntos de alta transcendência.
Assim do tipo: há ovos castanhos e ovos brancos (aqui não entram os da Páscoa que os há de muitas cores). Só vou tratar dos ovos de galinha. A cor da casca dos ovos não tem nada a ver p. ex. com a alimentação das poedeiras. Olhando para uma galinha sabemos de que cor põe os ovos. Como? Olhando para os lóbulos das orelhas: lóbulos brancos, ovos brancos, lóbulos castanhos, ovos da mesma cor.
Porque flutua, na água, um ovo podre e não flutua um ovo bom? A explicação está em que a casca do ovo é porosa. Se o ovo estiver muito tempo exposto ao ar, a clara e a gema secam e o seu espaço é ocupado pelo ar que passa através da casca, Fica portanto mais leve e flutua.
E agora a pergunta do milhão: quem apareceu primeiro, a galinha ou o ovo?
É a teoria da evolução das espécies que explica isto, como disse o especialista em genética Sr. J.B.S. Haldane (1892-1964). Como os pássaros evoluíram dos répteis, a primeira ave saiu dum ovo de réptil. Q.E.D.
É por isso que em culinária, ao usar ovos, se recomenda que se partam à parte e só depois se juntem ao prato que se estiver a preparar. Porquê? Porque simplesmente se pode tratar dum ovo que se tenha atrasado na evolução, e saia um bonito lagarto do seu interior.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
Que dirias tu, lince já habituado à ração, se te aparecesse uma omeleta com umas rodelas de bom chouriço, pela frente?
A propósito de animais domésticos e da preferência que uns têm por gatos e outros por cães (também há quem prefira cavalos e burros - estes com alguma saída, porque dão direito a subsídio – papagaios, periquitos e outras aves de arribação), debrucei-me sobre o assunto, com certo cuidado para não cair e pus-me a pensar.
Quando me ponho a pensar, duas coisas podem acontecer: ou adormeço pensativo, ou não há maneira de adormecer.
Rebusco então na memória os animais que já encontrei ao longo da vida e aparecem sempre três à frente do pelotão.
Uma mula, de seu nome “Carriça” que me transportou durante um ano para eu frequentar o liceu, um cão chamado “Cadete”, com quem aprendi a falar cão e a caçar (nunca dei um tiro) e um pintassilgo anónimo, que foi o 1º passarito que eu matei.
Cães e gatos, vários, se atravessaram no meu caminho, sem deixar rasto, independentemente dumas tropelias que gostava de fazer aos gatos, que passavam a vida a dormir em vez de caçar ratos.
Pensava eu nisto nesta 5ªfeira de post “obrigatório” quando disse para comigo: “Já está. Levas isto ao forno com duas nozes de manteiga e está aviado” (ler livros de culinária só para salivar, dá nisto).
“Para já não precisas de mais nada e assim nem tens de dizer se gostas mais disto ou daquilo”.
Como não resisto mesmo, aqui fica dito: gosto mais daquilo.
As duas nozes de manteiga:
Cão, de Alexandre O’Neill
Cão passageiro, cão estrito
Cão rasteiro cor de luva amarela,
Apara lápis, fraldiqueiro,
Cão liquefeito, cão estafado
Cão de gravata pendente,
Cão de orelhas engomadas,
de remexido rabo ausente,
Cão ululante, cão coruscante,
Cão magro, tétrico, maldito,
a desfazer-se num ganido,
a refazer-se num latido,
cão disparado: cão aqui,
cão ali, e sempre cão.
Cão marrado, preso a um fio de cheiro,
cão a esburgar o osso
essencial do dia a dia,
cão estouvado de alegria,
cão formal de poesia,
cão-soneto de ão-ão bem martelado,
cão moído de pancada
e condoído do dono,
cão: esfera do sono,
cão de pura invenção,
cão pré fabricado,
cão espelho, cão cinzeiro, cão botija,
cão de olhos que afligem,
cão problema...
Sai depressa, ó cão, deste poema!
O GATO, de Fernando Pessoa
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
Lamento, Lince, mas não estás entre os animais que guardo na memória.