Aviso prévio: o presente post era para ser uma coisa e acabou por sair outra. Lá para o final aparece uma cena que parece tirada dos autos do Gil Vicente (guardadas as devidas distâncias) pelo que se recomenda a quem não gostar do género, que não leia a parte final.
.
Como noticiaram as revistas da High Society, nomeadamente a “Revista de Caça e Pesca” e “100 Maneiras de Fazer um Bom Churrasco”, encontra-se em veraneio pelos mares do sul o autor deste blog. Desta maneira a imensa
multidão de frequentadores deste espaço, que por uma questão de inibição não se costuma manifestar, está devidamente informada sobre o assunto.
Acoitado numa gruta cedida por um amigo pertencendo à ilustre família dos Scombridae, género Thunnus e que a malta conhece por atum, resolvi prestar aqui uma homenagem a esse ilustre peixe, que em geral nos aparece dentro dumas latinhas. Logo ele que não tem lata nenhuma. Longe vão os tempos do copejo, em que os mesmos eram massacrados até à morte, quando se dirigiam ao Mediterrâneo para “passar férias”. A maior parte não passava da costa algarvia.
Estava eu a recordar-me disto e lembrei-me do que ainda acontece na praia da Nazaré com os carapaus. Pescam-nos e depois abrem os pobres peixes, tiram-lhes os interiores, espalmam-nos e põem os pobres a secar ao sol, horas a fio, ou mesmo dias, até ficarem secos. Santa inquisição que ao pé disto eras uma brincadeira de crianças a fazer tropelias…
Quando eu ainda nem pensava virar Carapau, veraneava na Nazaré. Era a praia que estava mais à mão, exatamente porque era a que ficava mais ao pé (da porta) e aí assisti à lenta transformação da sociedade local, que começou por ser essencialmente ligada a pesca. Não havia porto de mar, os barcos eram puxados para o areal por juntas de bois e toda aquela zona era uma mistura de restos dos peixes, lixo das limpezas dos barcos, merda dos bois, palha e alguma areia. O areal destinado aos veraneantes ficava ao lado, mas separado por uma zona neutra.
Era na zona da praia que se passavam as grandes cenas, nos meses de verão.
Para não alongar o escrito, aqui fica um dos diálogos a que assisti e que se passava no então chamado paredão, que separava o areal da rua e que era ao mesmo tempo um dos passeios dessa mesma rua. Cena entre duas “peixeiras”, assim eram conhecidas as varinas da Nazaré, com os veraneantes a assistir:
(A entoação e a pronúncia local, bem característica, não a sei reproduzir aqui).
As duas mulheres passam uma pela outra no paredão.
- Ao largo que a rua tem dois passeios.
- E este é só teu, ah mulher!
- Ao largo que não gosto de cheiro a porca.
- Porca serás tu mai-la a tua familia. Ah!
(Entretando vão se separando e ficam afastadas uns 20 metros uma da outra. A “conversa” passa a fazer-se em alta gritaria).
- Porca eu? Olha, olha, mais limpinha que o prato onde comes. (E dizendo isto levantava as 7 saias, e dava umas palmadas nas próprias nádegas).
- Baixa as saias, porca, que só cheiras a mijo.
- Anda cá, anda que te faço cheirar outra coisa.
- Ai que medo, ai que medo! Desavergonhada! (A “conversa aumentava de tom).
- Cala a boca mulher! Sua puta! Se tivesses vergonha nem saias à rua!
- Puta eu? E tu o que és, que quando o teu “home” vai prá safra do bacalhau metes as calças todas da vila lá em tua casa?
- Mentirosa! Vadia. Qualquer dia perco a cabeça e estrafego-te.
- Ah! ah! Ai que medo. Podes vir tu e trazer os “homes” todos da vila que já se deitaram contigo!
(O diálogo gritado continuava neste tom até chegar ao momento alto, para gáudio de todos a que ele assistiam).
- Tu tens é inveja! Sua mal fodida!
- Mal fodida eu? Até tenho calos no cú dos colhões do meu “home”.
E perante a gargalhada dos assistentes a “conversa” acabava aqui.
Hoje passo pela Nazaré de vez em quando, a vila virou cidade, as “sete saias” só aparecem em dias de festa, e poucas, já nem o turismo subsidia estas cenas pícaras.
Nas entradas da cidade veem-se algumas das representantes das antigas peixeiras, sentadas e com um cartaz a anunciar “aluga-se quarto, chambre, room, zimmer”. O linguarejar castiço deu nisto.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
Há dias assim: uns, em que não sai nenhum sumo por mais que esprema o limão e outros em que o copo não comporta o sumo todo.
Hoje estou num desses dias de limão.
Assim como há sumo para as limonadas também há palavras que me ocorrem de vez em quando e com as quais simpatizo, sei lá porque.
Uma delas é “idiossincrasia”. Cada qual tem a sua, cada qual reage à sua maneira, cada qual gosta do que gosta.
Também gosto de “pavio”. Há pessoas de pavio curto e outras de pavio comprido (no sentido que umas se exaltam mais facilmente e outras menos, e nada de outras coisas em que porventura tenham pensado ao ler o “comprimento” dos pavios).
“Anacrónica” é outra que me acompanha, ainda que esta por um motivo particular. Uma amiga minha, a Ana, escrevia crónicas semanais numa revista e eu dizia-lhe sempre que a encontrava, “esta semana já li a anacrónica”. Passado pouco tempo fez-me saber que já não estava a achar piada nenhuma à minha piada e eu mudei. Passei a dizer-lhe que já tinha lido esta semana a cronicana. De mal a pior, nunca mais me falou. Idiossincrasias…
“Bruiço” foi palavra que aprendi, na minha juventude, com o meu parceiro de carteira. Ele era (e ainda é) de Vila Nova de Foz Coa, terra de amendoeiras e amêndoas e é assim que lá se chama à pedra sobre a qual
se quebram as amêndoas. Eu parto as nozes. Há quem tenha um quebra nozes eu uso um bruiço. Idiossincrasias…
E podia ficar aqui a recitar todo um dicionário, mas não é esse a finalidade. Comecei com limões e acabo com “desintrabinquinquadrilhar” que não sei
o que quer dizer, pois não vem no dicionário, mas é palavra que me acompanha há alguns anos, escrita num papel já amarelado pelo tempo, mas que conservo religiosamente, pois pode um dia vir a fazer-me falta…
Texto escrito de acordo com o acordo ortográfico, convertido pelo Lince
Em geral as minhas compras nos supermercados resumem-se a água e vinho. E são sempre quantidades industriais, para não voltar lá tão cedo. A brincar costumo dizer que o vinho é para desinfetar a água.
Esta transação segue aliás as normas da boa contabilidade. Escolho o “ativo”, no caixa dizem-me o “passivo” e no fim trago a “situação líquida” para casa.
Foi o que aconteceu mais uma vez um destes dias. Com um pequeno acontecimento, um momento antes de entrar no “passivo”. Quando estava a pôs as embalagens em cima do tapete do caixa, um respeitável cavalheiro já de certa idade, que me seguia na fila, ajudou-me a fazer essa operação. Agradeci, disse-lhe que não era preciso, mas insistiu e ajudou, saindo-se com esta: “isto da idade é uma chatice, um tipo vai perdendo tudo, hoje uma dor num joelho, amanhã uma dor nas costas. Felizmente que ainda tenho tudo meu”. Eu sorri e respondi “olhe aí está uma coisa que eu já não posso dizer” e ele curioso atirou “ai sim?” e ficou à espera que eu dissesse mais qualquer coisa. Limitei-me a sorrir-lhe e a piscar o olho. Já com a “situação líquida” em meu poder, voltei a agradecer-lhe e fui-me embora, a empurrar o carrinho das compras.
Ando uns metros e deparo com um espetáculo digno de registo. Sentadas num banco corrido estavam 14 pessoas, eles e elas, de “aspeito venerando”, como diria o Camões, mas cada qual agarrando a sua companheira. Pela maneira como as agarravam, dava para perceber o tempo que já viviam em conjunto. Havia pares de relacionamento mais recente e outros de relacionamento mais antigo. Assim, todos encostados uns aos outros para caberem no banco, calados a olhar para o movimento que lhes passava em frente, tinham todo o ar de pertencerem a uma excursão, que os tinha “descarregado” ali.
Lembrei-me então do sujeito com quem tinha tido a conversa no supermercado e do que diria ele ao deparar com aquelas pessoas.
Certamente perguntar-lhes-ia se ainda tinham as peças todas de origem ou já tinham trocado alguma. Ou se lhes doíam os joelhos ou as “cruzes”.
O que nem era muito difícil de adivinhar, atendendo à maneira afetuosa como agarravam as suas companheiras, diria inseparáveis, as bengalas.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
Que há coisas do arco da velha todos sabemos. A velha já tem este arco há séculos, o arco já está tão velho como a dona, mas não passa ele sem ela, sendo que o contrário está por demonstrar.
Estava eu a elaborar um filosófico pensamento sobre as pessoas em geral e algumas em particular, quando por artes do tal arco da velha, me desviei para os morcegos.
Não creio que haja qualquer ligação entre estas coisas – o arco, as pessoas e os morcegos – para além daquelas ligações que se estabeleceram nos meus neurónios e me conduziram até aqui.
Numa caverna, que não esta onde habitualmente estou e onde tenho por vizinhança alguns peixes a que já fiz repetidas referências, numa outra caverna portanto, existe uma 2ª caverna (é isso mesmo, uma dentro da outra) onde moram meia dúzia de morcegos. Os morcegos não têm asas mas “aboam”, se é que se pode chamar voo, aquele rápido ziguezaguear que mais parece telecomandado do que comandado pelos próprios. E aquilo que afinal não são asas, mas umas membranas amosdoque asas, tem um nome, que eu se fosse morcego nunca usaria: são patágios.
Se eu fosse ali ao lado pedir ajuda ao dr. Google, ou outros doutores da mesma praça, podia despejar aqui informação que nunca mais acabava, mas para quem estiver interessado basta ir “lá”.
A mim interessa-me outra coisa, a saber: o pau ensebado.
Quando vivia na tal outra caverna, já lá vão não sei quantas gerações de morcegos, eu (e outros como eu) tentava apanhar/atordoar/matar morcegos em pleno voo e para tal usava a arte do pau ensebado. Assim: arranjava-se um pau com uns 3 metros de comprimento, untava-se a extremidade superior com sebo, e à noite, à hora dos morcegos saírem prá “nigtt”, erguia-se o pau (e um pau ao alto é coisa digna de se ver e aproveitar mesmo sem estar ensebado e estou a lembrar-me dos mastros, p. ex.) agitava-se o mesmo pau de um lado para o outro enquanto se gritava: “morcego, morcego vem ao pau que tem sebo”. E era tiro e queda. Tiro e queda aqui, no que respeita a morcegos, quer dizer que nunca se conseguia dar uma paulada em nenhum, mesmo que se “passeassem” em volta do pau. Mais tarde, quando deixei de ensebar o pau, é que soube que eles têm um sentido “a mais” chamado ecolocalização (biossonar para quem entende de morcegos).
Aprendi no entanto que com paus, mesmo ensebados, não se caçam morcegos, ainda que se possam caçar outros animais (desde que gostem de sebo). Assim como também se não apanham moscas com vinagre, ainda que se possam apanhar mosquitos.
Mosquitos por cordas seria outro caminho a seguir se nesta altura não fosse tempo de fechar o post.
Ora sebo para isto.
Nota complementar: de vez em quando ainda meto a cabeça na caverna dos morcegos, de dia enquanto descansam, para saber como vai a família e se está tudo a correr bem. Dizem (em silêncio também se fala) que está tudo em ordem só que já não se divertem tanto como os avós, porque já não há quem brinque com eles ao “pau ensebado”.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.