(Desta vez com a secretária)
- Ena! A fazer arrumações!
- Que tens tu a ver com isso?
- Até tenho! Ou julgas que não fico envergonhada quando aqui entra alguém e me vê assim toda descomposta?
- Também não é caso para exagerares. Descomposta? Pelo menos não mostras os interiores…
- Ah, então se mostrasse, atirava-me da janela abaixo.
- Hum! Tens pernas curtas, duvido.
- Nunca duvides duma secretária. Olha só para mim e vê lá o meu aspeto…
- Normal. És pequena, tens um tampo pequeno, nele não cabe muita coisa, parte tem residentes certos e fixos, logo não há lugar para grandes desarrumações.
- Julgas que não? É nas pequenas coisas que se nota isso. Dá uma vista de olhos e diz lá o que vês, para além do que chamas “os residentes fixos”.
- Não vejo mesmo nada. Tirando 2 ou 3 papelitos ali ao canto para não me esquecer de tratar duns assuntos, não noto mais nada.
- Não notas? Que faz ali aquela treta com molas e que dizes, a quem aqui vem, que é para musculares as mão e os braços? Há quanto tempo não lhe pegas? E os tais papeis a que te referiste para te lembrarem não sei de quê?
Já estão ali há meses e meses. Se calhar estão já colados ao tampo, tanta é a cola espalhada por mim de cabo a rabo.
- Também tens cabo e rabo? Olha, aí está uma coisa que nunca vi.
- Não brinques nem te desvies do essencial. O meu tampo é uma vergonha, todo sujo e riscado.
- Retira o sujo e concordo com o riscado. Mas sabes porquê? Eu nem devia estar aqui a conversar contigo, mas já que me puxaste pela língua, aí vai. És uma simples secretária de pinho, envernizada é certo e só eu sei quanto me custaste, mas de qualquer maneira és fraca, qualquer coisa te risca, com verniz de 3ª deve ter sido a tua pintura.
- Não ofendas as minhas origens. Sabes bem que sou descendente da mais ilustre família dos pinheiros, a Pinus Pinaster, não sei se conheces, e vivi sempre numa zona muito importante, onde a minha família abunda…
- Família com bunda então, não sabia.
- Não tiveste gracinha nenhuma, essas tuas piadas já estão mais gastas e esfarrapadas que o meu tampo, melhor seria tratares de mim, quem sabe se uma demão de bom verniz não faria milagres.
- Perdia verniz, tempo e dinheiro. Quem torto nasce…
- Tu não me digas uma coisa dessas. Antes de ser secretária era um dos Pinus mais Erectus lá do pinhal…
- Parabéns, mas não se nota nada, aliás aqui a maior parte de ti não está ereta mas deitada…
- Tu e os teus trocadilhos baratos.
- Barata é que não ficaste nada, mas enfim, não gosto de falar em dinheiro quando falo com secretárias…
- Nem te respondo, mas faço-te só uma pergunta: porque não me dás mais uma “limpeza profunda”, foi assim que lhe chamaste da outra vez, com aquele produto que compraste? Fiquei um bocado mais apresentável e cheirosa…
- Sou eu que decido isso, mas já nem sei onde o pus.
- Talvez numa das minhas gavetas, atulhadas até ao cimo, onde guardas tudo e onde não consegues encontrar nada.
- Até que enfim disseste uma coisa acertada. Por isso mesmo eu estava agora a tentar pôr alguma ordem nelas, mas interrompeste-me logo ao princípio, pus-me aqui a dar-te troco e vejo-me obrigado a adiar esse trabalho…
- Tu não me digas que mais uma vez…
- …porque vou ter de sair, a minha vida está lá fora e não aqui amarrado a ti.
- Ah! Ah! Gosto de ti porque és um adorável mentiroso. Diverte-te que eu aqui fico entregue à minha tristeza de secretária abandonada! Mas eu sei que acabas por voltar.
- Voltarei sim, até mais logo.
- Olha lá, satisfaz-me só um pedido.
- Diz lá.
- Está a entrar um novo ano, tira dali aqueles tais papéis que seriam para te lembrar de não sei o quê (suponho que tu também já não sabes) e atira-os para o caixote que está aqui mesmo por baixo de mim. Sempre entrava o ano com outro aspeto, já que no essencial vai ficar tudo na mesma.
- Pedes com tão bons modos, que te vou satisfazer o pedido. Repara: os três papéis rasgados... e agora este aqui novo, que os vai substituir. Quem é amigo, quem é? Bom ano para ti!
E Bom Ano também para as visitas do blog, quer venham por engano, quer venham ao engano! (Aqui, eu e a secretária sorrimos).
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
Este post de Natal vai ser diferente do que é uso por estas bandas. Hoje a escrita dá lugar à conversa e assim, quem esteja disposto a gastar quase 20 minutos do seu tempo, ouvirá um conto, que tem o título que dei a este post, dum escritor norte americano de seu nome O. Henry (1867-1910).
Por motivos técnicos o conto vai em dois videos, que deverão ser ouvidos pela ordem, como é óbvio. Pela primeira vez o Carapau vai mostrar "urbi et orbi" a sua voz e o seu pouco jeito para estas andanças. A gravação já tem dois ou três anos e, exactamente porque tive pouco tempo (...) não emendei nada, aqui vai com todos os gaguejos e erros de dicção, para além da voz grave, abagaçada, fruto duma constipação que na altura me atacava. Nada disto desculpa a falta de qualidade, mas Natal é Natal e tudo deve ser perdoado.
Não tendo nada para oferecer, ofereço-me o que já não é nada pouco. (Boa altura para uma risada...)
Lá para o fim irão os votos que se costumam fazer por esta altura.
Esperando que tenham conseguido ouvir tudo e que tenham gostado da história, resta-me desejar a toda a gente que aqui costuma vir (pouca mas da melhor) um Bom Natal com saúde, paz e amor e, se possível algum dinheiro para trocos.
O colar não era este, que supostamente O peru sim, era este, aqui em pose
seria da Maria Antonieta, a rainha. de acasalamento.
Faltava pouco tempo para o Natal, as pessoas já andavam atarefadas a correr de loja para loja para comprar prendas e prendinhas, ninguém sonhava ainda com a chegada da dona crise, quando o acaso pôs ao alcance do Alfredo Penso Rápido, conhecido pelos amigos como o Diplomata, uma informação preciosa. Estava ele no café a apreciar a sua aguardente, já tomado o café, quando ouviu uma conversa que se passava na mesa ao lado. Um Doutor, assim o tratavam os outros companheiros de mesa, todos amigos ao que entendeu, contava sobre a prenda que tinha oferecido dias antes à amantíssima esposa, quando fizeram anos de casados. Nada menos que um colar de diamantes, coisa ao alcance de poucas bolsas mesmo com auxílio do cartão de crédito. Acrescentou ele que a própria amantíssima achou um exagero, mas que se apressou a pô-lo ao pescoço e a admirar-se ao espelho e achou que lhe ia muito bem com o tom de pele.
Alfredo, atento, registou tudo, escondido atrás do jornal desportivo, que lhe dava o ar de intelectual da bola e bolou logo um esquema. Tinha de saber onde morava o Doutor e depois deixar que o destino o ajudasse. Engoliu às pressas o resto da aguardente, pois os vizinhos da mesa ao lado preparavam-se para levantar voo e, com o ar mais aéreo que pode arranjar, saiu do café atrás deles. Com sorte, quem sabe, o doutor morava perto e ia a pé até casa.
Não foi o caso. O homem meteu-se no carro, uma “bomba” de acordo com o tal colar, arrancou rapidamente, que tempo é dinheiro, e desapareceu. Alfredo só não ficou a ver navios porque já estava preparado para essa eventualidade. Perdeu o homem, mas não perdeu a matrícula do bólide.
Alfredo tinha amigos, muitos nem sabiam as linhas com que ele cosia a vida, e no dia seguinte chegou à fala com Paulo, que trabalhava na Conservatória do Registo Automóvel e contou-lhe uma história, coisa em que era perito. Um palonço dum gajo dum certo carro tinha-lhe dado uma panada na bicicleta e pôs-se na alheta sem dizer água vai. Felizmente tinha conseguido tirar a matrícula e agora precisava de saber o nome do panasca e a morada para tratar do assunto, que aquilo não ia ficar assim. Havia de pagar tudo com língua de palmo.
Para o caso interessava pouco se o Paulo sabia ou não que Alfredo mal sabia andar a pé quanto mais de bicicleta. Ao fim da tarde o amigo deu-lhe os elementos: nome, morada, idade, profissão e mais coisas que nada lhe interessavam.
Durante uns dias Alfredo estudou a situação “in loco”. Moradia em bairro residencial, jardim na frente da casa, umas arrecadações e um pequeno galinheiro nas traseiras, doutor a sair cedo e a entrar à noite, a mulher a ausentar-se com frequência, uma empregada a tomar conta da casa. Dois ou três dias bastaram para saber que no fim de semana haveria festa rija em casa duns amigos do casal. Altura ideal para o golpe. Faltava pouco mais de uma semana para o Natal, a ideia saltou rápida. Ao fim da tarde do dia da festa, pouco depois do doutor mais a amantíssima terem saído de casa, convenientemente vestidos para o evento, Alfredo, fardado de motorista de gente importante, boné de pala a atestar a profissão, e com um peru vivo debaixo do braço toca à campainha da moradia. Aparece a empregada, a quem se apresenta: - Sou motorista da família Tal, onde os seus patrões foram a uma festa e mandaram-me vir aqui entregar este peru, que lhes foi oferecido.
E disseram-me para me entregar um colar que a Senhora recebeu há dias de prenda, ela disse-me que você sabe qual é onde está. Esqueceu-se de o levar com ela e quer mostrá-lo às amigas.
Sem hesitação a mulher recebe o peru e foi buscar o colar. Alfredo agradece, deseja-lhe um bom Natal e sai calmamente.
O resto adivinha-se. No dia seguinte ao dar por falta da joia, pergunta à empregada e esta, com a maior ingenuidade possível, conta o que aconteceu. Doutor e Mulher arrepanham os cabelos, barafustam com a empregada, mas só têm uma coisa a fazer naquela altura: apresentar queixa à Polícia, contra desconhecido.
Passam três ou quatro dias e numa tarde em que os donos da casa estão fora, entram em cena Matias da Beata e Chico Torto, ajudantes de campo de Alfredo, a quem recorre quando precisa de mão de obra. Devidamente vestidos e compondo o melhor ar de polícias da Judiciária, apresentam-se na moradia, tocam a campainha e entram à fala com a empregada.
- Boa tarde minha Senhora. É aqui que mora o Doutor F. T.?
- É sim, mas os senhores não estão em casa.
- Para o caso não interessa muito. Nós somos da Judiciária e vimos comunicar que já apanhamos o meliante que roubou o colar. Diga por favor aos seus patrões para passarem lá pela Judiciária para levantarem o colar e assinarem a papelada, para podermos encerrar o processo. Não se esquece?
- Ai que bom, a minha Senhora vai ficar tão contente, ainda bem que o apanharam. Não esqueço não, logo que chegue conto-lhe tudo.
- Muito bem. Agora vá buscar o peru para o levarmos, porque ele também foi roubado e é para o entregarmos ao dono.
E foi assim que, naquele Natal, em casa de Alfredo houve festa farta, com peru na mesa e um colar valioso bem guardado, para ser transacionado mais tarde, quando a poeira assentasse.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.