Quinta-feira, 27 de Outubro de 2011

Confirmação

                        

 

 

Era uma destas tardes amenas de um domingo de outono. À pequena vila chegavam constantemente autocarros com excursões de fim de semana. Deles saia uma população, em geral idosa, que vinha fazer o triângulo turístico tradicional. O mosteiro daquela vila faz parte desse roteiro, é um dos monumentos mais visitados em Portugal. As pessoas saem dos carros, olham-no a meia distância, começam por apreciar a estátua equestre, o cavaleiro de espada erguida, “Excalibur, a ungida” lhe chamou o poeta. Encaminham-se depois para o mosteiro, uns dão uma volta pelo exterior, outros entram. Pessoas meio curvadas mostram toda uma vida de trabalho duro, pelo meio aparece uma ou outra figura que se quer demarcar do conjunto, em geral uma mulher, óculos escuros a enfeitar o cabelo, “olhem para mim que não sou como as outras”.

 

De vez em quando uma excursão com estrangeiros, nesta altura do ano já mais raros.

 

Chega um ou outro carro, casais com filhos, estes mais interessados em jogar nas maquinetas que trazem, do que em apreciar o monumento. Quanto aos mais miúdos, começam a correr pelo vasto largo, às vezes trazem bicicletas, trotinetes ou patins, se já conhecem o sítio.

 

Um ou outro carro aparentemente com casais jovens ou simples namorados, que tiram umas fotografias e ficam mais interessados um no outro do que em outra coisa. A vinda até ali foi só pretexto para um passeio e para estarem a sós.

 

Autocarros que saem, outros autocarros que chegam, as cenas repetem-se durante todo o dia.

 

Por vezes aparecem casos especiais. São aqueles que sabem já umas coisas de história, que eventualmente passaram antes por outro local onde se evoca e interpreta a grande batalha, os seus quês e porquês, e então debitam meia dúzia de “opiniões”. Em geral dizendo que foi “uma batalha importante”.

 

Também aparecem os “técnicos”. É o caso dum qualquer José Henriques, empreiteiro da construção civil, que o ganhou em bom tempo a fazer moradias em tudo o que fosse quintal, que chega mais “a sua senhora”, num Mercedes, a atestar o seu estatuto social. Veste uma T-shirt com riscas horizontais amarelas e pretas, a fazer lembrar a abelha Maia.

 

O casal deu a costumada meia volta a olhar o exterior, depois entrou. Enquanto a “sua senhora”, logo à entrada do monumento, lia as informações junto à pedra tumular dum dos arquitetos do mesmo, o Sr. Henriques aproximou-se da 1ª coluna da série que sustenta a abóbada, deu uma volta a apreciar-lhe a dimensão e a forma, depois com os “nós” dos dedos deu três pancadas na pedra a avaliar-lhe a resistência e, parecendo satisfeito com o exame feito, deu duas ligeiras palmadas na coluna, como que a afagá-la. Depois olhou outra vez para o alto, para a abóbada, abanou a cabeça para cima e para baixo em sinal de concordância e disse a meia voz, para se ouvir: “sim senhor, os gajos sabiam disto”.

 

Foi como se com estas palavras avalizasse a promessa feita há muitos anos por Mestre Afonso Domingues, “a abóbada não caiu, a abóbada não cairá”.

 

Depois olhou para a “patroa”, fez-lhe um sinal e saíram os dois.

 

 

 

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.        

 

publicado por Carapaucarapau às 12:33
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Quinta-feira, 20 de Outubro de 2011

Livros e histórias (V)

 

                                    

                                    A Biblia

 

Diz quem sabe que a Bíblia é o livro mais comprado em todo o mundo. Estima-se em mais de 6 biliões esse número de exemplares. Este número vale o que vale, mas não há dúvidas que são muitas toneladas de papel.

Esta introdução, para confessar humildemente que nunca li a Bíblia e não o declaro com qualquer espécie de orgulho, antes pelo contrário, acho que é uma falha. No entanto, leve-se isso em desconto do meu “pecado” é, com certeza, o livro que mais vezes comecei a ler, sem todavia ter passado das duas ou três primeiras páginas. Depois, ou adormecia ou saltava lá para a frente e lia mais umas linhas. Aquelas passagens em que A gerou B, que gerou C, que gerou D e por aí fora levavam-me a concluir que por ali era um ver se te avias…

Ponto final nesta primeira parte.

Há uns anos atrás, por motivos profissionais, fui obrigado a atravessar, de carro e por muitas vezes, a Andaluzia. Essas deslocações implicavam sempre umas duas dormidas em hotéis (quase sempre os mesmos, já que o meu trajeto e horário eram quase sempre iguais). Nos quartos desses  hotéis nunca faltavam bíblias, pelo que, antes de adormecer lhe dava uma vista de olhos, isto é, lia as tais duas primeiras páginas.

Uma noite, ao abrir a bíblia li, no cimo da 1ª página, manuscrita a vermelho e em português, a seguinte “informação”: “A gaja da receção dá umas baldas”. Já nessa altura esta anedota era tão velha que até tinha as barbas todas brancas. Logo dali tirei três conclusões, a saber: a) - o “artista” que tinha escrito aquilo conhecia a anedota; b) - devia ser jogador de cartas, pelo menos sueca, para usar a palavra “baldas”; c) – era um grande aldrabão e gozador porque naquele hotel, na receção, estavam sempre e só homens.

Estive tentado a acrescentar umas larachas ao escrito (aquela bíblia já estava condenada ao fogo dos infernos, portanto eu não ia alterar em nada o seu destino), mas acabei por não fazer nada, fundamentalmente por dois motivos. Um, porque aprendi em pequenino que não se escreve nos livros e nas paredes e o outro porque qualquer informação que eu escrevesse, do tipo “o gajo de bigode da receção faz o pino”, não seria novidade para ninguém a atentar no entusiasmo com que as turistas ingleses “de meia idade” se lhe dirigiam e “faziam olhinhos”. Conclui que na maior parte dos outros quartos, as bíblias já deveriam disponibilizar essa informação.

Portanto, pousei o livro na mesa de cabeceira e dispus-me a dormir, certamente idealizando o tipo de “gaja” que gostaria de ver na receção na minha próxima viagem; mas a verdade é que me aparecia sempre “uma” de bigode.

E nem o livro sagrado me valeu.

 

 Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.        

publicado por Carapaucarapau às 18:39
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Quinta-feira, 13 de Outubro de 2011

Salada de frutas

                                             

                          Esta “obra” é do autor do blog, mas copiada “a olho” do original “Josephine Baker”, de autor não identificado.

 

Pois é verdade! Fui apanhado de surpresa quando li que a CE tinha multado um cartel no setor das bananas a ser praticado pela Pacific Fruit e pela Chiquita.

Quem havia de dizer? A terna, doce e pacífica Pacific a fazer uma coisa destas e logo com a Chiquita. O mundo está virado do avesso!

É certo que eu não tenho intimidade com a Pacific, mas com a Chiquita sou praticamente de beijo cá beijo lá, dou-lhe mesmo umas dentadinhas quando a apanho a jeito. E afinal, anda-me ela agarrada à outra, a fazer sei lá o quê, sim que aquilo de fazer cartel não deve ser coisa boa…

E lembrar-me eu que quando ela ainda usava tranças e lacinhos, nós cantávamos:

                    “Chiquita bacana

                      Lá da Martinica,

                      Se veste com uma casca

                      De banan’anica!”

E olhem que a multa não foi lá aquela coisa! 8.919.000 de “érius” que a Pacific vai ter de pagar. Sim, porque a Chiquita foi uma finória e por isso não vai pagar nada. Foi dizer à CE que de facto tinha feito “aquilo” com a Pacific, contou tudinho a desavergonhada, e então beneficiou de “imunidade” e não vai ser multada. Esta Chiquita nunca me enganou, mesmo quando me enganou…

(A verdade da história, contou-ma ela num momento de maior intimidade, quando eu estava para a comer, é esta: ela e a Pacific sabiam que estavam a ser investigadas e que nada lhes podia valer porque as provas estavam “ali”.

Então a Chiquita, espertalhona como um alho, disse assim à Pacific: “olha querida, eu vou contar-lhes tudo, assim safo-me da multa, só tu és multada e depois pagamos a multa a meias, que tal achas?” “Acho que és uma finória do caraças, é isso mesmo que vamos fazer e ficamos amigas como sempre e eles ficam com um grande melão”.)

Mesmo assim eu ainda lhe disse: “ganda multa Chiquita”. E ela sorriu e respondeu: “olha querido (ela trata toda a gente de “querido”) tudo é relativo. Eu e a Pacific vendemos uns 525 milhões de “érius” por ano só em Portugal, Grécia e Itália. De maneira que estas coisas são assim mesmo, que lhes havemos de fazer?”

“Olha que três fregueses que as queridas logo arranjaram…” disse eu a sorrir, mas ela não percebeu, já estava “noutra”.

Também lhe perguntei se as bananas da Madeira estavam metidas na marosca, mas ela disse logo “com essas não queremos nada, aquilo foi chão que já deu uvas, dediquem-se aos ananases”.

Às tantas, e em vista de tanto cinismo, apeteceu-me mandar-lhe um pero aos queixos, mas lembrei-me que numa Chiquita não se bate nem com uma flor e limitei-me a insinuar:

“Quer dizer que, de agora em diante e sempre que te comer, vais ficar-me mais barata?”

“Nem sonhes. E depois quem é que paga a multa?”

“Assim sendo, só te vou comer uma vez por outra, às rodelas, na salada de frutas”.

“Faz o que quiseres, querido”. E foi à vida.

Eu fiquei a pensar que a minha ideia nem era má de todo. Com a fruta que aqui fui deixando pelo caminho (a saber: melão, uvas, pero, ananás e com o cacho de bananas da Josephine Baker) boa salada de frutas se faz. E para quem gostar pode-se juntar um dente de alho…

 

Comam bananas e sejam felizes!

 

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.        

publicado por Carapaucarapau às 14:43
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Quinta-feira, 6 de Outubro de 2011

Livros e histórias (IV)

             

Aviso: No final do post anterior coloquei, posteriormente à sua publicação, algumas fotos. Aqui fica este aviso para quem

as não viu ainda.

 

                                  

 

 “O Salário do Medo”

 

 Apareceram-me os três bastante “bebidos”. Dois eram irmãos, que apesar do seu estado, ainda conseguiam carregar o amigo, que não dava acordo de si.

Eram os três estudantes de medicina e, tanto quanto me lembro, vinham de um qualquer acontecimento “importante”. Naquela idade os acontecimentos são sempre importantes e, desde que alguém os classifique como tal, há que comemorá-los.

Hoje, a tantos anos de distância, eu diria que o amigo já vinham em coma alcoólico, pois não dava acordo de si, nem deu durante muitas horas. Foi transportado para o quarto dos irmãos e deitado numa cama. Desapertaram-lhe a camisa e decidiram-se por lhe dar uma injecção de “Coramina”, que era qualquer coisa como um murro no organismo, que fazia um cristão dar um salto. O amigo não era certamente cristão, pois nem se mexeu. Eu, que como já se percebeu, fui chamado a dar uma mão no transporte escadas acima, olhava para os três com cara de parvo. Os dois irmãos riam-se ao ver que o amigo nem reagia.

Eu vivia na mesma casa que os dois manos, mas o “comatoso” não. Estava ali, provisoriamente, a ver se ganhava condição para ir para a casa dele, sem ser de charola.

Passado pouco tempo fomos jantar. Na casa havia mais pessoas que tomaram conhecimento do que se estava a passar. Com a “sopa” os dois irmãos ficaram um pouco mais lúcidos e encarregaram-me de ficar a “vigiar” o amigo e colega. Eles teriam de sair para qualquer assunto urgente, como são todos os assuntos dos que têm um elevado teor de álcool no sangue. Era só irem tomar café, meterem umas cartas no correio e dentro de 1 hora, no máximo, estariam de volta. Eu ficava de sentinela para o caso do amigo entretanto acordar (“sim, porque ele daqui a uns minutos vai acordar”) não se sentir abandonado e saber onde estava.

Assim se fez. Montei sentinela. Para passar o tempo puxei dum livro que estava ali à mão com o título “O Salário do Medo” ** do escritor francês Georges Armand e comecei a lê-lo.

À laia de apresentação, o autor escreveu qualquer coisa como:
“A geografia é uma invenção dos homens. A Guatemala, por exemplo, não existe. Eu sei-o bem, estive lá.”

Foi disto que me lembrei quando, anos depois, conheci o casal de guatemaltecos de que falo no post anterior.

Tanto quanto ainda me recordo do livro, ele relata a aventura de 4 homens que são contratados para levarem dois camiões carregados de nitroglicerina até junto a uns poços de petróleo que estão a arder e cujo fogo só pode ser apagado com uma explosão violenta. É uma tarefa perigosa que põe em perigo, a cada metro de mau caminho, a vida dos quatro homens. A aventura e o “suspense” são constantes. Eu embrenhei-me na leitura e só quando cheguei ao fim do livro, dei conta do tempo que passou. Eram umas 2 horas da manhã e nem os dois irmãos tinham voltado, nem o amigo tinha acordado. Devo ter soltado uns palavrões, fui-me deitar e adormeci pouco depois.

Não me recordo de nada mais do que se terá ainda passado nessa noite, mas no dia seguinte de manhã, estava tudo bem, não havia mortos nem feridos.

Pelo que me lembro, já de algumas das personagens do livro não se pode dizer o mesmo.

 

** Deste livro, “Le salaire de la peur” no original, foi feito um filme que correu com o mesmo nome, produção franco-italiana dirigida por Henri-Georges Clouzot, com os actores: Yves Montand, Charles Vanel, Folco Lulli e Peter van Eyck nos principais papéis.

(Informação “gentilmente cedida” pelo “Dr”. Google).

 

publicado por Carapaucarapau às 19:07
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