Quando o vi pela última vez, o diálogo não foi nada animado e senti nele uma grande amargura.
- Bom dia. Então aqui a apanhar um pouco de sol?
- Bom dia.
- Está tudo bem consigo?
- Está.
- Já há algum tempo que não falávamos.
- Já.
- Parece-me desanimado…
- Eu?
- Sim.
- Não sei.
- Passa-se alguma coisa de anormal?
- Não.
Por mais que eu tentasse não lhe arrancava uma conversa. Entre nós as conversas sempre foram fáceis, eu gostava de brincar com ele, de lhe recordar coisas passadas, de o provocar só para o ouvir responder: “essas coisas são comédias e eu não gosto de comédias”. E riamo-nos os dois.
Com ele aprendi algumas das coisas mais importantes que aprendi na vida: a falar com as vacas, a conhecer os cães, a saber onde os coelhos fazem a cama e a responder com assobios ao canto dos pássaros. E aprendi-lhes o nome e as particularidades de cada um.
Agora estava ele ali ensimesmado e eu não lhe arrancava nem uma palavra nem um sorriso.
- Estou a ver que já não sabe quem eu sou.
- Sei.
- Está quase na hora do almoço.
- Está.
- Olhe! Vem ali a sua sobrinha com as sopas.
- Pois vem.
- Então bom almoço e até outro dia. Agora estou por aqui uns dias…
- Adeus.
Ele levantou-se e entrou em casa e eu ainda fiquei a conversar um minuto com a sobrinha, que me disse que desde que a mulher morrera ele estava assim, de poucas falas.
Duas semanas depois foi encontrado morto pela mesma sobrinha.
“Olhe, estava deitado na cama, vestido e arranjado. Quando entrei no quarto já estava morto. Não deu trabalho nenhum. Foi só fazer-lhe a barba”.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
Seguiam os dois, vagarosamente, rua acima. Mochilas às costas e abraçados um ao outro, o vai e vem das pessoas e o movimento dos carros não lhes dizia nada. Pelo passeio, indiferentes a tudo, falavam sobre os grandes problemas do mundo. Tinham 7 ou 8 anos.
- Da Costa do Marfim, só me falta o 171.
- Da Costa do Marfim faltam-me ainda 5, mas da Itália já os tenho todos.
- Da Itália faltam-me três, mas o meu primo tem lá para me dar.
- A minha mãe também me disse que me comprava mais, mas só para a semana.
Tinha havido um terramoto algures, as pessoas preocupavam-se com troikas e baldrocas, outras preocupavam-se com o futuro, mas o futuro que se lia nos olhos deles só ia preocupado com a coleção dos cromos dos jogadores da bola.
De repente pararam a olhar para uma montra. No centro estava um aquário com 2 peixinhos coloridos que, com os focinhos colados ao vidro do aquário pareciam fitá-los. Eram quatro olhos de lá que fitavam os quatro olhos de cá, que por sua vez fitavam os de lá.
Fez-se um silêncio e a Terra deixou de girar por uns momentos.
É sabido que é no silêncio que se geram as grandes questões.
Foi então que um deles perguntou, com uma súbita curiosidade:
- Olha lá! Como respiram os peixes?
O outro, a quem o silêncio deve ter feito revelações, respondeu, rápido e certeiro:
- Então não vês? É o fresco do vidro.
- Ah!
E a Terra retomou o seu movimento.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
- Tu já viste como isto está?
- Isto o quê?
- Isto.
- Ah! Isto. Está como sempre esteve: mal.
- Mal? De mal a pior.
- Ainda pior? É difícil.
- Já esteve bem noutros tempos.
- Isso já lá vai, foi no tempo do arroz de quinze.
- E achas que o tipo vai endireitar isto?
- Qual tipo?
- Qual havia de ser? O tipo.
- Isto já não vai lá com tipos…
- Pois não. É com tipas…
- Nem tipas, nem tripas, nem falinhas mansas.
- Então? À porrada?
- À porrada andam eles sempre…
- Eu tenho uma solução.
- É pá, apresenta-a. Eles ainda ta aceitam…
- Vendia isto tudo…
- E quem quer comprar esta treta? Nem ao preço da uva mijona, ninguém lhe pega.
- … aos árabes.
- Aos árabes? Tens cada uma…
- Já te disse: aos árabes. Os tipos têm petróleo, têm guita, faziam disto uma bela coisa.
- Estás maluco!
- Qual maluco, qual carapuça.
- E diz-me uma coisa: o que é que os árabes percebem disto?
- Percebem tanto como tu e eu e eles… nada. Mas têm…
- Camelos.
- Isso não precisam de trazer, já temos cá que cheguem.
- Então? Areia do deserto.
- Não brinques que eu estou a falar a sério.
- Tretas. Isto só lá vai com um gajo de pulso.
- Qual pulso qual "carapulso". Dinheiro! Dinheirinho é que é preciso.
- E eles iam meter aqui dinheiro? Estás maluco! Isto está falido!
- Por isso mesmo. Com dinheiro punham isto a dar grana.
- Eles não são malucos para vir torrar aqui o cacau. Cá por mim fechávamos as portas e acabou-se.
- Qual acabou-se? Isto não se acaba assim do pé para a mão…
- Pois. É mais da mão para o pé.
- Não brinques. Ainda temos umas coisas que se aproveitam.
- O quê? Nem coisas nem pessoas. Nada se aproveita já.
- És um derrotista.
- Sou, sou. Realista meu amigo, isso é que eu sou.
- Isto nunca vai acabar. Temos um passado histórico. Andamos uns anos aos trambolhões, mas ainda nos vamos endireitar. Sempre assim foi. Vais ver.
- O tempo mudou amigo. Agora só se safa quem tiver juízo e nós há anos que não temos nenhum e entraram para aqui uns incompetentes para não dizer outras coisas. Negociatas, é o que todos querem fazer. Olha, deu nisto.
- Com uns árabes…
- Sabes que mais? Vou almoçar e já me estou nas tintas para tudo isto. Só não mudo, porque …
- Vou contigo. Sei aí dum sítio para se comer um bacalhau…
E saíram do bar do Sporting, onde decorria a conversa.
Nota: Qualquer semelhança entre este diálogo e outros que se ouvem por aí não é mera coincidência.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
(Foto tirada durante comunicação)
Peixes!
Como é do conhecimento geral tenho estado a “negociar” com o FMI e mais dois outros marrecos o pacote (saco) de mercearias para podermos petiscar umas coisas durante mais algum tempo.
Como bem se lembram, eu sempre disse que este FMI fazia cá muita falta e que ia ser uma ajuda preciosa, mas a verdade é que andavam aí alguns peixinhos da horta a dizer o contrário.
É do resultado dessas “negociações” que eu fiz, que agora vos dou conta. Mas antes não quero perder a oportunidade para vos informar que estas “negociações” foram feitas nuns intervalos de tempo que eu arranjei entre umas férias da Páscoa e umas visitas a umas novas escolas (e aproveito para vos dizer que no meu tempo não havia escolas destas que inaugurei agora e que espero voltar a inaugurar mais duas ou três vezes, porque se houvesse escolas destas eu não teria tido necessidade de fazer exames ao domingo, porque no meu tempo é que era duro estudar…).
A coisa passou-se assim: eles disseram “assina aqui” e eu vou assinar, mas puseram lá tudo o que eu quis.
Então:
- Não vai ser obrigatório aparar as escamas duas vezes por mês, como andavam por aí a apregoar.
- Não vai ser obrigatório para os peixes, comerem alface.
- Não vai ser obrigatório para os peixes, pintarem as cavernas de cinzento com pintinhas roxas, como alguns chicharros sem vergonha diziam.
- Não vai ser obrigatório para os peixes, nadarem todos da mesma maneira.
- Não vai ser obrigatório para a maioria dos peixes trabalhar, como diziam alguns jornais.
- Não vamos ter menos água para nadar, como gritavam os anunciadores da desgraça.
- Vamos poder abrir a boca as vezes que quisermos e não só duas vezes ao dia como queriam alguns tubarões.
- Vamos poder ir ao futebol, se tivermos bilhete. Se não tivermos podemos atirar pedras uns aos outros.
- Vamos poder ir de férias ou ficar na caverna conforme…conforme… conforme… (Este ponto ainda não está bem definido, mas vai ser tudo como eu quiser).
- Nenhum peixe é obrigado a dar trela a outro peixe, exceto em casos muito especiais.
- Só alguns peixes, com as escamas muito compridas, vão ter de as limar um pouco, ao contrário do que dizia a catastrofista Faneca.
- Há ainda mais umas outras coisitas, sem importância de maior, que aqui não vos digo agora, porque o melhor é continuarmos a ver o futebol, já que o intervalo do jogo está a acabar.
No entanto quero ainda dizer-vos mais duas coisas.
A primeira diz respeito a esta múmia com mau aspeto que está aqui ao meu lado, para que todos vejam que ela ainda respira e que somos amigos desde sempre, ao contrário do que todos por aí diziam. Está com esta cara, mas isso é fruto de tudo o que eu lhe fiz engolir ao longo do tempo. É certo que ele preferia estar sentado no Banco da Peixaria, mas isso não foi possível e agora tenho de ver se lhe arranjo pelo menos uma cadeira, ou outra coisa para se sentar. Estar aqui ao meu lado, nesta hora, é só mais uma partidinha que eu lhe preguei e que ele adorou.
A segunda coisa é dizer-vos que quem escreveu isto tudo fui eu, Carapau de Corrida (sim já corri em quase todas as praças e mercados do mundo) e não esse troca tintas do CarapauCarapau que, com a mania das grandezas, até repete o nome e até teve a suprema lata (muito maior que a minha confesso, o que eu julgava impossível) de dizer que os peixes parecem opfinkers, calculem lá vocês.
Comam lá a ração que o FMI vos deixa comer, mas não esqueçam que fui eu que tratei de tudo.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.