Quinta-feira, 27 de Janeiro de 2011

Carapau e o folclore

                                

                                  Ora vira que vira...

 

 

Não é minha especialidade analisar os movimentos das danças folclóricas e apreciar os trajes e os cantares. Em geral estes são esganiçados e aqueles de cores mais ou menos berrantes, e o público, às vezes pouco e pago, também gosta de gritar.

Mas, atendendo a que no domingo passado houve romaria, depois de uns dias de danças e comilanças, Carapau subiu à terra e resolveu dizer duas palavras sobre o evento.

A primeira para a má qualidade do folclore e dos intérpretes, já que não me posso pronunciar quanto à qualidade da comida. A segunda pelo pouco entusiasmo da assistência, que já não vai a estas romarias, cansada que está com a poeira dos caminhos e falta de água potável nas fontes. O tempo de levar umas pernas de frango e uns bolinhos de bacalhau já lá vai, agora está bem, pois, espera aí que já lá vou, tenho mais que fazer.

Quanto aos intérpretes, que hei-de dizer?

 Um a tocar cavaco numa nota só e mesmo assim obrigado a desafinar porque lhe espalharam pozinhos de espirrar nas bandas do casaco e lhe atiraram pedradas o que é sempre perigoso para quem tem telhados de vidro, mesmo que seja só uma claraboiazita.

Outro, mais triste que alegre que percebeu cedo (terá percebido?) que tinha o destino marcado e não sabia que quem com ferros mata com ferros morre e que lhe havia de aparecer um nobre para fazer o papel que ele fez uns anos atrás. Além disso estava convencido de qualquer coisa que nem eu percebi o que era. Há coisas que cegam quando a capacidade de discernimento é pequena. Dele bem se pode dizer que

“Descalço foi para a fonte

O poeta pela verdura,

Com voz forte mas não segura”.

O tal nobre a quem não dou grande escolha entre ter só a nobreza no nome, pois prestou-se a ser um nobre alegre dos soares que jogaram com ele ou, se não percebeu isso, ser pouco inteligente. Há jogos que não são para amadores. Se se convencer que o pecúlio que acumulou graças aos erros dos outros lhe vale de alguma coisa, é bom que ponha os olhos no alegre a quem tirou a alegria.

Um chico esperto que como todos os espertalhaços sabia ao que ia e o que tinha de fazer para garantir o seguro de vida e que no fim grita vitória, vitória, ainda que vá até à derrota final, com a companhia dos do costume.

Um defensor que jogou ao ataque atirando as pedras que outros lhe forneceram da gaveta onde há muito estavam guardadas para usar na melhor altura e salvaguardando assim o assento onde se senta.

E por fim um coelho que escarafunchou e se aliviou no canteiro do jardim e ainda deu para cantar, qual quim Barreiros, a garagem da vizinha e outras garagens que tais.

 

Feliz por estar cada vez mais debaixo de água estou eu, ainda que saiba de ciência certa, que vou ficar com as águas onde nado mais conspurcadas com os esgotos da romaria.

 

O post previsto para hoje não era nada disto, mas pensei que não podia perder a oportunidade para dizer duas sobre a romaria e assim, à última hora, resolvi-me por este.

publicado por Carapaucarapau às 14:34
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Terça-feira, 18 de Janeiro de 2011

Interregno

                                                                                                                                                  

                                                                 (Um jaquinzinho com meses)

 

  

Este vai ser um post diferente.

Uma das comentadoras habituais deste blog, e que muito prezo, fez um desafio lá no sítio onde avia beijinhos embrulhados aos molhos (ver post "eu em 7x7"), para nos mostrarmos tal como somos (quero dizer, contar das nossas qualidades e defeitos, gostos e desgostos, isto e aquilo, numa palavra, pintarmos o sete) e lançou um repto para lhe seguirmos o exemplo. Eu não aceito o repto, só aceito reptos quando sei que vou vencer (…), mas resolvi mostrar-me nu e cru. Fujo de ser assado ou cozido desde sempre, pelo que, enquanto por cá andar vai ser mesmo assim: cru. (Assado só mesmo lá para o fim, se me respeitarem as últimas vontades).

No blog a que acima fiz referência e de que deixei o link (e devem ir visitá-lo antes de acabarem a leitura deste post) a autora deixou uma foto sua de quando era Princesinha (agora é uma respeitável Rainha enchapelada, bem apresentada e sempre pronta para visitar o seu reino e mesmo o reino dos outros.). Mas, lá onde parece expor-se, acaba por estar protegida pelo “manto diáfano da fantasia”, cor de rosa ao que diz, cobertura essa que ainda guarda religiosamente. Quer dizer: diz que se mostra, mas não mostra. Aqui, pelo contrário, mostro-me com “a crueza forte da verdade”, outro sim é dizer, com a pele à vista, ainda sem escamas é certo, mas pronta a recebê-las. E a pele é ainda a mesma, ainda que um pouco mais manchada e com uma ou outra cicatriz, que provam que o animal não passou a vida numa redoma (leia-se aquário).

Façam comparações. Vejam o ar sereno e despreocupado da Princesinha e a atitude de evidente interesse do jaquinzinho em se conhecer bem (só conhecendo-nos bem sabemos até onde podemos ir) e a preocupação com as coisas importantes da vida, a boca meio aberta de espanto por aquilo que o esperava, o olhar (meio estrábico é certo) de aguda observação, à espera de ver o prometido passarinho que havia de sair da máquina e que até hoje nunca viu. Não viu esse passarinho mas viu e conheceu pássaros, passarões e passarucos, aves de rapina e cucos. E também os mesmos animais, no feminino, que aqui não se fazem excepções.

Não ponho mais na carta. Durante uma semana ficarei exposto, passado esse tempo aparecerei tal como sou hoje e será essa foto que vai permanecer “ad aeternum” (se isto não é latim, é pelo menos muito parecido) no blog.

Desafio os visitantes que tenham blogs a fazer o mesmo (os que já fizeram estão dispensados e se não quiserem vir em pele, podem vir em pêlo).

 

Nota: Independentemente do que aqui disse e do ar que atribui à Princesinha, chamo a atenção para a evidente semelhança das fotos e da atitude dos dois “animaizinhos”. Já para não falar no décor. Foram essas semelhanças, aliás, que me deram a ideia para este post.

 

Passou uma semana e a troca já foi feita

publicado por Carapaucarapau às 17:36
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Quinta-feira, 13 de Janeiro de 2011

As três Alices (II)

                                                                     

 

 

Alice (a do norte)

 

Era casada, tinha dois filhos já adultos, já era avó de dois netos, filhos da filha mais velha. Morava com o marido e o filho mais novo. O marido não trabalhava, tinha uma pequena reforma, o filho fazia umas coisitas mas ficava com o dinheiro e só ela trabalhava no duro, para sustentar a casa. No entanto era o marido que ficava com o dinheiro todo e só lhe dava o que ela precisava, fosse para o “passe” nos transportes públicos, fosse para comprar umas cuecas, fosse para carregar o telemóvel. Tudo contado e devidamente justificado. Além disso tratava-a mal. Ela dizia que ele nunca lhe tinha batido, mas insultava-a por dá cá aquela palha e controlava-lhe os passos, para além de lhe “controlar” o dinheiro, como já ficou explicado. Os filhos também fingiam que não sabiam de nada, não queriam chatices com o pai ou então tinham medo dele.

 Ela era muito católica - apostólica - romana não queria ouvir falar em separação ou divórcio. O lema dela era “tenho de carregar a minha cruz, como Cristo carregou a dele”.

 Um dia o acaso pôs-nos frente a frente. A conversa começou por banalidades e acabou na “confissão” que deixei acima. Insurgi-me contra aquela situação e tentei abrir-lhe os olhos. Ou a mente, já que me parecia que ela “via” bem. Argumentei e argumentei, dei exemplos e fiz perguntas, perdi o meu latim que esbarrava contra uma barreira de ideias feitas. Era de desanimar. Porém eu pressentia que ela gostava de falar comigo, aliás ela também mo dizia, e eu não desisti. Um dia, em desespero de causa e vendo que não a convencia a nada, dei-lhe o telefone e a morada da APAV para ela passar por lá, expor o seu caso ou, pelo menos, fazer um telefonema. Disse-me que ia pensar, mas que eu já sabia qual era a posição dela sobre o assunto.

Passado pouco tempo informou-me que uns dias antes, depois do marido sair de casa, ela ligou para a APAV e começou a falar. O marido entrou inesperadamente em casa, apanhou-a ao telefone e ainda ouviu parte da conversa e foi o bom e o bonito. Entre outras coisas retirou-lhe o telemóvel.

Não resisti e chamei-lhe burra, assim com todas as letras. Dei-lhe um último conselho, antes de eu ir para férias. Que a partir do emprego voltasse a telefonar para a APAV. E disse-lhe que esperava que quando eu voltasse já ela tivesse mudado de ideias.

Uns dois meses depois, voltamos a falar. Já estava à espera da conversa do costume e das justificações tipo “a minha cruz é esta”.

 Eis senão quando ela me conta uma história das mil e uma noites. Estava divorciada!

 Não acreditei. Perguntei como era possível? Então ela disse-me que chegou a falar com a APAV, que estava já pronta para seguir os conselhos que lá lhe deram, mas que entretanto o marido arranjou outra mulher, ele propôs o divórcio e em três tempos resolveram o assunto.

 Hoje vive com o filho, que entretanto também se zangou com o pai, e só não diz que é muito feliz, porque a vida não vai para grandes felicidades, mas que ela continua a trabalhar e o filho também se empregou.

 

Qualquer pequena influência que eu possa ter tido ficou sem efeito, pois na verdade, foi a “outra” que resolveu o problema. Ironias do destino…

 

 

Aviso à navegação: são três as Alices como se diz no título. Um imprevisto acontecido com a 3ª obriga-me a adiar a sua publicação. Portanto a sua história não será no próximo post, mas em tempo oportuno ela aparecerá.

 

 

 

 

 

 

publicado por Carapaucarapau às 14:39
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Quinta-feira, 6 de Janeiro de 2011

As três Alices (I)

                                                  

                  (Nem esta é nenhuma das Alices nem o país é o das maravilhas)

 

Alice (a alentejana)

 

Eu era assíduo leitor do Diário de Lisboa e frequentava o mesmo café com um pequeno grupo de amigos, onde quase todas as noites nos reuníamos. Uma noite, quando a cavaqueira tinha chegado ao fim e me dirigia para o carro Ela chegou-se perto de mim e disparou:

- Conheces o Ramiro?

Eu olhei-a com estranheza, não a conhecia, e respondi:

- Conheço pelo menos dois.

- O grandalhão, o conhecido por “doutor” e que é um boémio.

- Estou a ver. Conheço-o de vista, sei quem é, mas não mais que isso. Vem quase todas as noites ao café.

- Ele estava lá no café?

- Não reparei, não me lembro de o ver, não sei. Vá lá ver.

- Não quero. Se quisesse já lá tinha ido. Se fores para os meus lados dás-me uma boleia?

- Sou capaz disso…

- Sabes que eu sei quem tu és?

- Ai sim? Como?

- És jornalista do Diário de Lisboa.

- Eu?

- Sim, não vale a pena disfarçares. Tu e o grupo de amigos, com quem costumas vir ao café.

- Está enganada. Está a confundir-me com outra pessoa.

- Não estou nada e não precisas negar. Também isso não faz diferença nenhuma. Não te vou pedir dinheiro. Nunca peço dinheiro a ninguém. O que ganho chega-me. Quando estou aflita o “doutor” resolve-me o problema. É o único homem de quem aceito dinheiro e ele sabe porquê. A ti só te peço uma boleia. – E disse isto tudo num jacto quase sem respirar.

E lá fomos e a conversa prolongou-se.

Foi desta maneira que conheci Alice, uma alentejana que vivia em Lisboa há bastante tempo.

Era morena, de cara mirrada, olhos vivos e aspecto de quem não tinha vida fácil.

Já não era nenhuma criança, trabalhava no que lhe aparecia e era uma “compincha” para as farras, sendo o célebre “doutor” Ramiro um dos seus assíduos companheiros. Além de outras coisas eram os dois alentejanos e ambos lá das bandas da Amareleja. Ficamos um bom pedaço de tempo a falar e contou-me a história da vida dela. Ninguém é historiador isento em causa própria e certamente que pintou umas coisas com cores diferentes das verdadeiras, mas ouvi-a com interesse. Disse-me como vivia, tinha um quarto em casa dum casal, que também lhe deixava servir-se da cozinha e que o grande sonho da vida dela era ter uma casa só para ela. Andava à procura duma de renda barata, pois já estava farta de viver em casa dos outros, mas a coisa estava difícil.

Quando nos despedimos disse-me que eu era um tipo porreiro, que podia estar à vontade que ela não ia dizer a ninguém que eu era jornalista, mas que não percebia porque eu negava.

Mais tarde vim a saber desta teimosia dela em querer à força que eu fosse jornalista. No “meu” grupo de amigos todos éramos leitores do Diário de Lisboa, cada qual comprava o seu jornal e no café muitas vezes estávamos a lê-lo. Acabamos por ser conhecidos, sem sabermos, pelo “grupinho do Diário de Lisboa”. Daí a conclusão que a Alice deve ter tirado sobre a nossa “profissão”. De leitores passou-nos a redactores.

Por diversas vezes a partir dessa noite encontrei a Alice que, sempre que me via, me contava mais um episódio da sua vida. Uma noite estava eu parado num semáforo e ouvi uma gritaria na rua, a que não liguei importância. Daí a uns segundos bateu-me no vidro do carro a Alice que queria falar comigo. Entrou, eu arranquei e ela despejou a grande novidade: tinha alugado um andar. Ainda não morava lá, ainda não tinham ligado a água nem a electricidade, o que aconteceria dentro de dias, mas mesmo assim queria lá ir comigo para me “apresentar” a sua casa. Nunca iria querer homens lá em casa “nem o Ramiro, já lhe disse isso mesmo”, mas eu era um caso especial e queria que eu lá fosse. Disse-lhe que ficava muito honrado pelo convite, que ficava tão contente como ela por ter arranjado casa, mas que naquelas condições, sem luz, não iria lá, não dava para ver nada, ficava para outro dia. Reclamou, queria mesmo que eu lá fosse, mas ao fim de pouco tempo aceitou as minhas razões e ficou combinada a visita para uns dias mais tarde.

Assim foi. Num fim de tarde, algum tempo depois deste último encontro, encontramo-nos e ela levou-me a visitar a casa.

Mostrou-me todos os cantos e recantos, mostrou-me mesmo o quarto duma hóspede que entretanto já tinha arranjado, uma estudante de medicina que tinha em cima duma pequena mesa no quarto um dos volumes da Anatomia, que a Alice me mostrou com orgulho como se fosse ela a estudante, e na despedida fez-me um pedido: queria que um dia, a combinar, eu fosse jantar lá a casa, um jantarinho feito por ela, um jantar alentejano.

- Aceitas? – Havia ansiedade na voz dela ao fazer a pergunta.

- Claro que aceito e sinto-me muito honrado. Havemos de combinar isso.

- Ainda bem. Fico muito contente. Quando tiver a casa já mais composta eu ofereço-te o jantar.

 

O tempo passou, deixei de ser leitor do Diário de Lisboa, porque entretanto o jornal acabou, o café onde me reunia com os amigos fechou e algum tempo depois passou a ser um centro comercial, a minha vida levou uma volta, o grupo de amigos foi-se desfazendo, tomando cada um o seu rumo e eu nunca mais vi nem soube da Alice, nem nunca mais tive oportunidade de vir a apreciar os dotes culinários duma mulher, que, sem eu saber ainda hoje porquê, simpatizou com um jovem “jornalista do Diário de Lisboa” a quem tinha convidado para um jantarinho.

Estejas onde estiveres, Alice, eu “ainda” não me esqueci do convite.

 

 

publicado por Carapaucarapau às 14:15
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