Sábado, 25 de Setembro de 2010

Uma conversa com sabor a melão

 

 

Conheço-o há muitos anos e ele a mim conhece-me há muitos mais e duma certa época da minha vida sabe mais de mim do que eu próprio. Por isso falo muitas vezes com ele e deveria falar ainda mais se a preguiça não comandasse uma parte importante do meu tempo. O último encontro foi há dias e da conversa retiro este pedaço:

 

- Olá! Está bom? Já o não via há uns bons meses!

- Vou andando e tu?

- Também cá vou indo. O senhor está cada vez com melhor aspecto…

- Nunca me queixei do aspecto.

- Cabelo todo, poucas brancas, nada de rugas na cara…

- E já cá cantam 83.

- Parece que tem uns 50…

- Isso também eu queria! Mas as minhas pernas…

- Que têm elas?

- Já não me levam onde eu quero.

- E onde quer ir?

- Ora… a tantos sítios. Nunca fui de estar parado.

- Lá isso…

- Agora tem de ser tudo muito mais calmo.

- Não vai lá hoje, vai amanhã…

- Isso é bom de dizer. Eu queria lá ir… era agora mesmo.

- “Lá” onde?

- Maneira de falar. Não queria estar dependente dos humores das minhas pernas. Agora tenho de estar mais tempo sentado.

- Sentado também se vai “lá”.

- Mas não é a mesma coisa.

- E a “patroa” vai bem?

- Nem por isso! Está pior que eu. Por falar nisso…

- Diga…

- Está na altura de a levar a outra consulta. O teu irmão estará “por lá”?

- O melhor é para o mês que vem. Ele anda por aí de férias. Fale com ele a combinar…

- Então falo para a semana.

- Acho melhor. E o senhor tem ido às consultas?

- Eu? Vou…quando é preciso; mas quanto menos, melhor.

- Sinal que se sente bem…

- Nada disso. Sei que estou velho, não preciso que mo digam…

- Não estou a perceber…

- A semana passada tive de levar a mulher ao hospital, de urgência, sentiu-se mal …

- E depois? Que tem isso a ver…

- Tem tudo. Estava já há quase duas horas à espera de ser chamada e fui saber se estava esquecida e sabes o que me responderam?

- Sei lá… que estava muita gente…

- Pois estava…

- Está sempre…

- Queres mesmo saber o que me responderam?

- Sim, diga.

- Foi assim mesmo: “que quer? Há muita gente mais nova que também ainda não foi atendida”.

- Não me diga?

- Digo e repito. O tipo deve ter-se distraído e disse-me a verdade. Foi então que senti que estão a considerar que já estou a mais. Eu e os outros como eu. Eu já tinha pressentido isso noutras ocasiões, mas nunca mo tinham dito na cara.

- Não deve ser nada disso! Deve ter percebido mal…

- Também tu?

 

Olhei para ele muito sério e ele sorriu-me. Depois levantou-se lentamente e foi colher um melão, ali no quintal onde decorria a conversa.

E ficamos a comer melão e a falar disto e daquilo.

 

 

 

 

publicado por Carapaucarapau às 20:01
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Quinta-feira, 16 de Setembro de 2010

Uma fábula com história...

 

 

…ou a história de uma “Fábula”

 

                     

                                      (Capa do livro a que se faz referência)

 

 

Nos princípios de 1998 o Diário de Notícias lançou um concurso de contos curtos, a propósito da Expo’98. Havia algumas condições, para além de não se excederem as 98 palavras, como por exemplo, conterem a expressão “Expo’98” que para o efeito contava como uma palavra e serem assinados por um pseudónimo, ainda que o autor tivesse que se identificar num documento à parte.

Resolvi tentar escrever um conto que satisfizesse as regras e depois de verificar que afinal não era muito complicado, acabei por mandá-lo para o D.N.

Nunca mais me lembrei do caso, até que um dia, pouco antes da abertura da Exposição, recebi uma encomenda postal do jornal, com duas coisas: um livro onde estavam publicadas 98  histórias, seleccionadas por um júri, e dois bilhetes para entrar no recinto da Expo-98. Eram estes os prémios para os 98 “escolhidos”.

Portanto muita atenção: Carapau além de ter obra publicada também é autor premiado!

 

Foi este o conto que então escrevi:

 

Fábula

Quando me disseram que uma prima andava a trabalhar nas obras do metro, meti-me ao caminho, sem atender aos conselhos dos mais velhos.

Procurei, procurei e finalmente encontrei as obras, mas a “tal” não era minha prima.

Sozinha na cidade, a vida não foi nada fácil.

Muitas dificuldades, muitos obstáculos… - até fominha passei.

Um dia entrei, clandestinamente, no recinto da Expo’98 e encontrei o paraíso: instalações de primeira, comidinha à farta!

Sol de pouca dura, porém, pois uma manhã ouvi o jardineiro dizer:

“Anda uma toupeira no jardim Garcia de Orta. Temos de lhe tratar da saúde”.

 

Explicações complementares e certamente supérfluas.

1-Na altura andavam em curso as obras da linha vermelha do metro, que iria servir a zona da “Expo” e nelas era usada uma escavadora de túneis geralmente conhecida por “Toupeira”. Daí a referência à prima.

2-O livrinho chama-se “Expo em 98 palavras” e é uma edição do DN na sua colecção “textos e documentos”. O número total de contos admitidos ao concurso foi de 2364 dos quais foram escolhidos os 98 que aparecem no livro. Algumas destes contos são mesmo muito bons e o Carapau bem gostava de ter sido o autor deles.

3-Descobri agora que o livrinho aparece referenciado na net, por exemplo, aqui.

publicado por Carapaucarapau às 18:04
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Sexta-feira, 10 de Setembro de 2010

Coisas da net

Como toda a gente sabe, ou porque já lhe aconteceu alguma vez, ou porque leu ou ouviu contar, passam-se na net coisas do arco da velha e muitas vezes mesmo do arco da nova, se é que a nova também tem direito a arco.

Aqui vou só contar duas ou três com alguma piada, que me aconteceram neste blog.

Há uns tempos atrás, concretamente no post nº 99, intitulado “Encher pneus”, expressão que é sinónima, como toda a gente sabe, de “encher chouriços” ou falar muito sem dizer nada, apareceu-me, além dos comentários das pessoas que costumam por aqui passar, um dum ilustre desconhecido, a dizer que tinha gostado muito, blá blá blá pardais ao ninho, comentário de circunstância.

Tinha um link associado ao nome dele. Por curiosidade segui o link para ver se seria alguém “conhecido”. Fui…e cheguei a um site duma casa de venda de pneus novos e usados!!!

Achei piada, há tipos que fazem tudo pela vida, seja vender pneus, seja fazerem carapaus de escabeche ou joaquinzinhos fritos com açorda. Vida a quanto obrigas!

 

O outro caso passou-se mais recentemente (post 116 – Série B-1) onde apareceram dois comentários assinados, um por “cultura spagnola” e outro por “feromoni”. Segui os links e o 1º manda-me

“Vivere a Madrid” e o outro, também um comentário de circunstância, mandava-me para este sítio (aconselho a darem uma vista de olhos a este link, antes de continuarem a leitura, para melhor perceberem a continuação do post).

 

(Pausa para seguirem o link…

Já regressaram? Então continuemos).

 

Claro que também me ri com isto, quer a ideia tenha sido de um vendedor, quer tenha sido de alguém a gozar comigo. Tem piada e não ofende!

Mas, claro, fiquei a matutar: se em relação aos pneus era grande a probabilidade de eu ser um potencial comprador (quase toda a gente tem carro, logo precisa de pneus), já quanto a este terceiro caso quem terá dado o palpite que talvez o Carapau precisasse dum “elargement”? Que tanto pode ser no comprimento como no diâmetro. É que não dei conta de ninguém me ter vindo tirar as medidas…

Mas ri-me e ao mesmo tempo lembrei-me dum caso, passado há uns anos, contado pelo Dr. Adolfo Rocha, que não era outro senão o escritor Miguel Torga, a alguns colegas que tinham consultório no mesmo andar, em Coimbra. Um amigo meu que na altura estagiava lá em radiologia e que ouviu a história, contou-ma no dia seguinte. E contou-a assim, mais ou menos, o Miguel Torga:

“Quando me dirigia agora aqui para o consultório, uma mulherzinha que estava ali à esquina, pediu-me uma esmola e eu dei-lhe uma moeda. Então ela agradeceu-me, dizendo-me: “obrigadinha Sr. Dr. Deus lho acrescente!” Eu achei graça ao agradecimento e respondi-lhe: Deus mo acrescente, não. Deus mo endireite, que comprimento tem ele”.

 

Fiquei a matutar se eu deveria ter respondido da mesma maneira ao engraçadinho ou ao vendedor que me deixou o link, mas fiquei a pensar que se calhar ele não sabia quem era o Torga, e então deixei-o “encostado ao balcão” à espera da minha visita…

 

 

publicado por Carapaucarapau às 13:52
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Quinta-feira, 2 de Setembro de 2010

O relógio

                   

                    

                           (Esta fotografia foi obtida utilizando os escassos recursos disponíveis)

 

  

É um velho relógio de mesinha de cabeceira, com caixa de madeira preta trabalhada e com umas incrustações de metal, já incompletas. Tem todo o ar de ter sido prenda de casamento, mas já ninguém me pode informar disso. Também era despertador, mas agora (fruto certamente de intervenções avulso de “relojoeiros” amadores, pois sempre abundaram na casa) já se fixou eternamente nas 5 menos um quarto. Pelo menos está certo duas vezes em cada 24 horas, coisa de que muitos relógios não se podem gabar.

Na outra mezinha está outro relógio mais modernaço, dito digital, com todo o ar de ter sido comprado numa grande superfície ou numa loja dos chineses. Esse marca as horas mais ou menos certas, desperta quando o mandam e dá informações preciosas quando, sem ninguém lhe perguntar, diz que a fila de trânsito já chega à 2ª ponte do Feijó e que também na VCI o trânsito se faz com dificuldade. Aqui, onde estão a “relíquia” e o “modernaço”, não há trânsito digno de ser noticiado.

Hoje, ao reparar que a “relíquia” tinha o mostrador deslocado, estando as 12h no lugar da 1h, dei-lhe um toque e sempre ficou com um aspecto mais sério.

Ele agradeceu e, piscando-me o olho – o que fez tremelicando o ponteiro dos minutos – perguntou baixinho: “quando é que esse fala-barato se vai embora?”

Eu sorri disfarçadamente e sem dizer nada (não sou tipo de falar com relógios, ainda por cima parados no tempo) virei-lhe as costas e fui à vida.

Mas depois pus-me a pensar que afinal ele é mesmo o relógio que me convinha ser. Por ele o tempo não passa…

Talvez um dia destes mande o da “2ª ponte do Feijó” dar uma volta…

publicado por Carapaucarapau às 15:44
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