Tinha sido mesmo um camelo.
Meter-me assim pelo areal afora julgando que ia ser uma caminhada estimulante. A princípio até foi. Pela beira-mar, pela areia molhada e compacta a caminhada foi fácil. Depois a maré foi subindo, eu cada vez mais longe do ponto de partida, a volta estava a ser penosa, a patinar na areia solta. Nem uma sombra, nem uma gota de água. E em redor não se avistava ninguém nem ao menos uma barraca de pescadores onde pudesse matar a sede. Lá ia arrastando os pés como podia, tentando pensar em coisas agradáveis, para esquecer o tormento que estava a ser a caminhada de regresso.
Não sei bem por que razão, mas a primeira coisa que pensei foi em sultanas. (Não nas mulheres dos sultões, que ali à torreira não me iam servir de nada. Não iriam? Fica a dúvida…). Primeiro até pensei em passas de uvas, mas depois as grainhas não me agradavam e passei para as sultanas. Essas não têm grainhas. Depois pensei que o açúcar das sultanas ainda me ia fazer mais sede e complicar mais a vida. Depois pensei nas garrafas de água que ainda na véspera tinha ido comprar ao supermercado e que estavam lá em casa à minha espera. Se eu lá chegar…
Exagero! Claro que vou chegar, só que vou sofrer como um camelo. Mais que um camelo certamente, que esses armazenam líquidos para se precaverem. Camelo estava a ser eu. Camelo, burro, vamos a ver se não chego a avestruz e não meto a cabeça debaixo da areia. Aproximo-me do mar e refresco-me um pouco com a água. Foi numa dessas alturas que ouvi umas gargalhadas vindas da água. Uma, duas vezes…
Olhei: com a cabeça fora de água - cabeça azulada com os olhos a brilhar de gozo – vi o Carapau. Por duas vezes aflorou à tona da água, por duas vezes gargalhou. Respondi-lhe como convinha: mandei-o àquela banda. Desapareceu. Deve ter ido mesmo.
Fiquei outra vez sozinho, com a areia, o calor e uns quilómetros pela frente. Continuei a andar e remoer uma vingança: quando chegasse a casa ia inventar qualquer coisa para mandar ao Carapau. Afinal foi ele que me meteu nesta alhada de abrir o blog e de ter de escrever qualquer coisa de vez em quando. Eu a penar, e ele à fresca de volta das navalheiras e à espera da prima, que, ou não lhe liga nada ou fá-lo sofrer. Se eu não tivesse já visto umas fotos dela, por sinal bem sexy, até diria que era uma invenção dele.
Mais tarde acabei por chegar a casa, estoirado, mas mesmo assim com forças para escrever este relato que vou mandar para o peixinho publicar.
Chamei-lhe “Uma história das Arábias”, porque tem todos os ingredientes: muita areia, muito calor, pelo menos um camelo (dois se contarmos com o Carapau), sultanas, uma prima que pode fazer de odalisca, falta de água, miragens (pois estou na dúvida, agora saciada a sede, que tenha mesmo visto o Carapau), e duas palmeiras. As palmeiras aparecem só agora para dar mais cor ao cenário e podem ser aquelas duas que vejo ali no jardim…
E por hoje é tudo. Vamos a ver como resolvo o próximo…
Nota do Carapau:
O sol fez-lhe mesmo mal...até delirou e viu coisas...Coitado dele!
Por estes dias, andava o Carapau a ver se entabulava negociações (qualquer negociação que se preze, deve ser entabulada, mas nunca percebi a razão) com umas navalheiras no intuito de “formar um corpo de baile” (as aspas servem para dizer que não era esse o intuito), quando reparou que os jaquinzinhos, as pescadinhas de rabo (ainda) na boca, as petingas e duma maneira geral todo o peixe miúdo (arraia miúda diz-se por aqui) andavam numa grande azáfama com as mochilas às costas (maneira de dizer, que peixe tem dorso, não tem costas).
Iam a caminho das escolas, escolinhas, colégios, jardins-de-infância e outros locais de diversão diurna. Mas não iam divertir-se, “é manifesto, mas vamos nós ao resto” que é o que interessa neste momento.
A Solha (não a zarolha nem a ricaça, mas outra) disse ao Carapau que iam para o circo.
- Para o circo assim de mochilas?
- É verdade, para o circo – confirmou a Solha que, não obstante não ser zarolha, olha de esguelha para certas coisas.
- E esse circo tem palhaços, focas, ursos, leões-marinhos, e essa bicharada que é usual os circos terem?
- Tem alguns, mas não todos. Vai lá um que fala (é a habilidade dele e faz sempre o mesmo número) e que vai dizer que os jaquinzinhos &Cª têm de estudar muito e levar os estudos muito a sério para depois poderem ser alguém…
- Como ele, certamente… dever ser um mocho sábio…
- Mocho, não sei se é, sábio tão pouco, o que sabe ninguém sabe onde o aprendeu, há dúvidas se andou na escola…
- Que faria ele se tivesse andado...
- Não estaria no circo – respondeu a Solha, piscando-me o olho duma maneira que não entendi.
- E não há mais?
- Há. Mas este é o número especial do dia.
- E essa primeira aula tem algum interesse para os jaquinzinhos?
- Claro que tem. Aprendem, assim de pequeninos ,como se vende o peixe.
- Peixinhos são eles…
- Pois. É para começarem a torcer o pepino…
- Agora, por falares em pepino…
- O que foi Carapau?
- Já me ia a esquecer do que tenho que fazer.
- Posso saber o que é?
- Então não havias de saber, amiga Solha? Ando a preparar um corpo de baile…
- Ou o corpo pró baile? – perguntou a ela, com um sorriso irónico.
- Quem prepara o corpo pró baile é a minha prima, exímia bailarina, como sabes.
E, Solha por um lado e Carapau pelo outro, foram à vida antes que o espectáculo do circo turvasse as águas…
Mais uma lista de nomes de peixes que também significam outras coisas, com um remate final em grande estilo.
Anequim: - tosquia de ovelhas paga a tanto por cabeça; (ant.) bobo do paço.
Bica: - pequeno canal ou telha por onde corre um liquido; pão achatado que termina em bico; café servido em chávena própria; refeição em que as famílias dos noivos celebram os proclamas do casamento; estar à bica – estar prestes a tocar-lhe a vez ou a realizar-se; bica aberta – processo de fermentação do vinho; suar em bica – suar muito.
Búzio: - trombeta; buzina, (ant.) antiga medida; buzeno; alqueire; (prov.) turvo, pouco transparente; mergulhador que debaixo de água apanha conchas, pérolas ou peixes, ou executa qualquer trabalho.
Cabeçudo: - que tem cabeça grande; (fig.) teimoso, pertinaz, obstinado; (pop.) girino da rã; boneco de cabeça grande muito usado em cortejos populares; (Bras.) espécie de palmeira.
Macaca: - fêmea do macaco; (pop.) má sorte; azar; mulher feia; (Bras.) chicote; (Moç.) raiz de mandioca verde, cortada em pedaços e seca ao sol; (fam.) morte macaca: morte desastrosa ou inglória.
Malacueco: - (pop) espertalhão; manhoso; extravagante.
Moreia: - grupo de feixes de cereais formando meda; morena; (Trás-os-M.) monte de estrume; (Alg.) feixe de mato com que no Inverno se cobre a terra e que no verão se queima, para que a sua cinza sirva de adubo às terras; (Geol.) acumulação de detritos transportados e deixados pelos glaciares.
Ruibarbo: - género de plantas poligonáceas; nome genérico das suas raízes medicinais.
Solha: - (gir.) bofetada.
Para terminar a lista, duas palavras relacionadas com o assunto, até porque uma diz respeito à grande família a que pertence o Carapau e a outra se aplica à minha, cada vez mais querida, Prima.
Peixe: - Constelação austral; um dos signos do Zodíaco; estar como peixe na água: sentir-se à vontade num assunto ou situação; não ser carne nem peixe: não ser definido; pregar aos peixes: falar sem ser ouvido; perder tempo; vender o seu peixe: expor as suas razões ou opiniões; tratar dos seus interesses pessoais.
Peixão: - peixe grande; espécie de besugo; (pop.) mulher corpulenta, perfeita e bonita.
Para concluir, o Carapau apresenta um pequeno texto em que faz uso de alguns destes significados.
Tinha o cabeçudo acabado o seu anequim, cansado e a suar em bica, quando lhe apareceu a sua macaca a dizer que tinha medido dois búzios de milho, para vender. O malacueco teve ganas de a atirar para a moreia com uma solha, mas conteve-se, não fosse ela ter uma morte macaca e já não lhe fazer o habitual chá de ruibarbo.
Era certo que, falar para ela, era pregar aos peixes e não valia a pena ele tentar vender o seu peixe. Fosse ela o peixão da vizinha e outro galo cantaria…
A "tradução":
Tinha o homem, que era teimoso, acabado de tosquiar as ovelhas a um tanto por cabeça, cansado e suado, quando lhe apareceu a sua mulher que não devia nada à beleza a dizer que tinha medido dois alqueires de milho para vender. O espertalhão teve ganas de a atirar para o monte de estrume com uma bofetada. Mas conteve-se, não fosse ela morrer ingloriamente e já não lhe fazer o habitual chá de raízes medicinais.
Era certo que falar com ela era perder tempo, e não valia a pena expor as suas razões. Fosse ela a vizinha do lado, mulher perfeita e bonitona, e outro galo cantaria…
Frases que foram ditas, ao longo dos tempos, e que não ficaram célebres, ao contrário de outras.
Todos sabemos meia dúzia de frases ou expressões que foram ficando plasmadas ao longo dos séculos.
Do grito “Eureka” do Arquimedes quando descobriu que era o Principio que o estava a empurrar para cima enquanto tomava banho, ao “Do cimo destas pirâmides quarenta séculos vos contemplam” do Napoleão Mão-ao-Peito, há milhentas outras. “Só vos prometo sangue, suor e lágrimas”, disse Churchill aos ingleses quando a borrasca se aproximava (é curioso como hoje se continuam a dar as mesmas coisas mesmo sem se prometerem…). “Não me tires o que não me podes dar”, disse o Diógenes quando vivia no tonel e gostava de apanhar banhos de sol.
( Hoje não conheço ninguém, mesmo aqui entre os carapaus, que se importe com esses “pormenor” de devolver o que tirou).
“Mais vale ser rainha uma hora que duquesa toda a vida” ou “Alea jacta est” são só mais dois exemplos, para acabar.
A verdade porém, é que este post não é sobre frases que ficaram célebres, mas sim sobre frases que a história não registou mas que foram ditas (muitas delas foram mesmo reditas).
Vamos, pois, a elas… (às frases é claro, não a outras coisas, por exemplo, navalheiras…)
Adão (para Eva): - ’’Hau uu in cum in im hein!“ (que remédio, não há outra!).
Eva (para Adão, num certo fim de tarde): - “Cau na ka mi nau au au!” (Essa conversa de que estás cansado por teres andado a lutar com um urso já me cheira a esturro).
O sr. P. De Politico (para as massas): - “Blá blá blá, mas blá blá blá porque blá blá blá e assim blá blá blá”.
Santo António (para os peixes): - “Vos estis sal terrae”, que quer dizer, tradução livre:” Enquanto não aparecerem as câmaras frigorÍficas vocês vão ser conservados no sal”.
Bill Gatos (para o Carapau): - “Tu estás sempre à frente da malta”.
Romeu (para Julieta): - “O que queres? Quando chego aqui à varanda já venho estoirado por ter de subir a pulso pela corda!”
(Nota do Carapau: veja-se a semelhança com a frase da Eva… Com os tempos o urso virou corda…)
Carapau (para o avô quando muito novo foi pela 1ª vez pastar as cabras para o monte): - “Ma o mé só faz caga nitas ledondinhas”.
Cocainómano (a ver O Lisboa-Dakar): - “Ena pá tanto pó!”
Maria Antonieta (para o carrasco): - “Tenho o pressentimento que me vais fazer perder a cabeça”.
S. Valentim (para a namorada): - “De que cor queres o apito?”
D. Pedro I para D. Inês de Castro: - “Estás com um ar muito cadavérico”.
A Prima (para o Carapau, um certo dia): -
Ai primo, quero mais."
O meu vizinho (quando pregava um prego na parede da caverna para pendurar o candeeiro a petróleo, e deu uma martelada na barbatana): - “Gaita! F%$/(# )=?$%# C§§@[%/(-P/$”}£M=£$-£…” (disse muitas mais coisas mas o teclado não tem caracteres suficientes para as transmitir…)
O Carapau (a falar com as suas escamas, quando resolveu abrir este blog): - “Ainda um dia te vais ver aflito para arranjar conversa para pores aqui…”