Há uns tempos atrás um grupo de Jaquinzinhos e de Chicharros apareceu aqui na caverna do Carapau. Os miúdos vinham ainda com ar de pânico, pois fugiram no último instante do óleo a ferver que os esperava para os fritar, e os velhotes traziam as barbas meio queimadas por terem estado a milímetros das brasas que os esperavam.
O Carapau deu-lhes abrigo e apoio mas obrigou-os a irem à escola, que a vida não é só “navalheiras e loirinhas”.
Agora que terminou o ano escolar pediram-me para os deixar publicar aqui alguns dos seus brilhantes trabalhos escolares.
Aqui ficam. Hoje o “post” é deles que também seleccionaram os trabalhos.
O Infante D. Henrique
D. Henrique descobriu três terras que são: Açores e Madeira. O Infante D. Henrique foi o 1º casado com D. Filipa de Lencastre que deixou cair o regaço de rosas que D. Duarte beijou que era de Santa Maria. O Infante D. Henrique estava a ver que nunca mais chegava ao Brasil por causa das carrancas do mar.
A Pátria
A Pátria é a terra onde se criam os nossos pais, os galos e os nossos irmãos. A Pátria é uma terra enorme e tem lá muitas igrejas, capelinhas e tabernas e vive lá muita gente como na serra da Estrela. Eu nunca fui à Pátria.
A vaca
A vaca tem 4 patas: a dianteira, a traseira, depois o rabo que ainda tem pelos. Debaixo da vaca ainda está a leitaria. Com o rabo enxota as moscas. O marido da vaca é o boi. Não dá leite, por isso não é mamífero.Dos chifres preparam-se botões de madrepérolas.
O leite
O leite faz queijo e manteiga. O leite é branco. O leite vem dos animais que dão à gente. Os animais que dão leite são: a vaca, a ovelha, os burros e o Sr. Prior da Mata Mourisca também dá leite, mas é em pó.
A Revolução de 1640
A Revolução de 1640 foi descoberta no reinado de Filipe II. A Revolução de 1640 foram os portugueses que a descobriram. A Revolução de 1640 durou muitos anos porque estivera debaixo dos Filipes. Filipe II descobriu a guerra da Independência. Eu gosto muito da Revolução de 1640. Deu-se para descobrir o Miguel de Vasconcelos que estava num armário de papeis.
A Rainha Santa
A Rainha Santa levava no regaço esmolas e pão para os pobrezinhos. Depois chegou D. Diniz e disse-lhe: levante as saias e ela levantou e D. Diniz viu-lhe tudo e ela levava lá rosas.
A minha casa
Gosto da minha casa pois é lá que vivo com a minha patroa e foi lá que fiz os meus filhos. Assim que saio do trabalho vou logo para casa. O operário do dia de hoje não vai para a taberna embebedar-se e dar-se com esses gajos; depois quando chegavam a casa e calharem fazer filhos nessa altura vinham doentes.
(Hoje há) Sermão
(Do CarapauCarapau aos outros peixes)
Parece mentira, mas é a verdade mais verdadeira que o Carapau alguma vez já disse: hoje há sermão!
E para competir com os tascos que põem à porta uma tabuleta a dizer “Hoje há leitão”, ou “Hoje há tripas”, ou ainda “Hoje há jaquinzinhos fritos com açorda” (um verdadeiro crime contra-carapaus, diga-se de passagem), “Hoje há sermão”! (Não confundir com “hoje há salmão”! Nada disso).
Trata-se de sermãozinho autêntico, servido à antiga com molho de latim e tudo como mandam os cânones (não confundir com canelones…)
Nesta época de desvario, em que toda a gente só pensa em pôr o carapau em cima das brasas para depois o refrescar com um molho à espanhola (e à sardinha também, tenho de ser justo e prestar aqui a minha solidariedade a essa vítima da inquisição que a passa pelas brasas sempre que pode e neste caso sem molho), nesta época de desvario, dizia eu que não perdi a minha linha de raciocínio, ainda que possa parecer o contrário, há que gritar bem alto o que me vai na alma e lutar contra esses predadores de peixinhos inocentes…
Vamos então ao sermão que já sinto sinais de impaciência em muita gente. Preparem-se!
Amigos peixes e outros animais marinhos!
Vos quibus rector maris, atque terrae
Jus dedit magnum necis, atque vitae;
Ponite inflatos, tumidosque vultus;
Quidquid a vobis minor extimescit,
Maior hoc vobis dominus minatur.
E se assim não for, então tudo vai de mal a pior.
Daqui estou a ver alguns de vós a remexerem-se por não estarem a perceber nada. No fundo, a esses bem posso gritar “tumidosque vultus”, o que quer dizer “estejam quietos” senão ainda se lixam (atque terrae).
Outros olham para o relógio e pensam “quando é que isto acaba?” E a esses apressados eu digo “vobis minor extimescit” ou seja “não adianta muito isso, porque vão ter que me gramar até ao fim”.
Depois há aqueles que põem um sorriso pretenciosamente superior nos lábios, e eu digo-vos “quibus rector maris” o que quer dizer” riam-se, riam-se que também estais metidos no mesmo barco”.
Lá ao fundo vislumbro um polvo, esse tipo de animal sem espinha e que gosta de turvar as águas, a agitar essa espécie de braços moles e a quem já tenho dado umas boas dentadas. A esse eu digo daqui, alto e bom som que” ponite inflatos” que o mesmo é dizer” incha à vontade meu caro que ainda te hei-de ver feito em filetes servidos com um arroz feito com o teu capuz”( jus dedit magnum necis).
Mas como estou com pressa, porque tenho umas navalheiras para petiscar com umas cervejolas, digo-vos a todos, para terminar,” hoc opus hic labor est”, que, traduzindo esta língua de bacalhau para língua de animais de água quente, quer dizer “amanhem-se como puderem senão aparece aí o amanhador-mor do reino que vos escala a todos e vos bota no sal”.
E confesso que ainda gostava de ver algumas dessas espécies que por ai andam, escaladas e no sal (faecundabat aquas).
Ide em paz e com pouco barulho.
(Nada como ler os Sermões do Padre António Vieira)