Há uns tempos atrás precisei de fazer obras aqui na caverna, porque estava a meter água (pode parecer esquisita para muita gente esta situação, mas de coisas esquisitas está o mundo cheio).
Até contei numa treta (ir ao sítio delas) como arranjei alguns dos materiais. Depois abri concurso para a mão-de-obra, que por aqui é coisa difícil de arranjar, porque uns têm barbatanas e não mãos, outros não estão para as sujar.
Apareceram-me várias “empresas” concorrentes que me apresentaram propostas. Feito o contrato, quando começaram a chegar os materiais apareceu-me também o executante. Equipado a rigor, cumprindo todas as regras de segurança, despertou um grande interesse na vizinhança que fez uma grande roda para o ver trabalhar. O Pargo, o Goraz, o Cherne, o Safio, Carapaus e Carapauzinhos aos montes, um ou outro Atum formavam uma assistência ilustre a tecer comentários sobre a actuação do trolha (ou pedreiro conforme a origem das espécies) e sobre outros “aspectos técnicos” que não vale a pena aqui citar.
O Goraz com aquele olhinho redondo e grande que não deixa passar nada, pôs em dúvida a capacidade técnica do artista pois, dizia ele, nunca tinha visto um trolha com uma chave de parafusos e um alicate e também fez umas considerações sobre o martelo que não lhe parecia nada um martelo de pedreiro. E perguntou depois à assistência onde estava a colher, a fita métrica e o nível (ele dizia “o anible”)? O Pargo, que é um tipo mais calmo e informado, replicou que as “novas tecnologias” já tinha chegado também à construção civil e o que eles estavam a ver era exactamente um desses “casos”. Gerou-se uma certa discussão com todos a falarem ao mesmo tempo, havia umas bocas (de caranguejo) por fora a gozar com a situação e até a Corvina assomou ao círculo e depois de apreciar o ambiente atirou esta para mim:
- Olha lá ó Carapau amigo, achas que esse gajo é capaz de te tapar o buraco? Duvido…- e foi uma gargalhada geral.
Eu ainda respondi que o buraco não era meu mas da caverna, mas ninguém me escutou, tal era a algazarra.
O que eu sei é que foi um dia diferente entre a peixaria, e lá para o fim da tarde, muito sorrateiro e sem que ninguém o ouvisse, o Tubarão chegou ao pé de mim e perguntou-me se eu tinha ficado satisfeito com o trabalho do artista. Eu disse que sim e ele então segredou-me que também estava a precisar de fazer umas obrazitas lá no palacete dele e pediu-me o contacto.
Eu dei-lho, ele agradeceu e foi-se embora.
Eu fiquei a pensar naquilo. O Tubarão nunca foi de falar com ninguém, e agora não me sai da cabeça que ele armou aquele estratagema das obras, para atrair o artista lá ao palacete e comê-lo…