Noticiam os jornais que, a Praça de Espanha em Lisboa, está transformada num campo de pastagem de vacas, que para lá foram levadas (o que não admira porque sozinhas era difícil terem lá chegado). Parece que é uma promoção da Associação de Turismo dos Açores. As vaquinhas por lá andam, ao que dizem despreocupadamente, a pastar. Não haverá muito que comer, digo eu, mas não afirmo categoricamente, porque o relvado do largo certamente não andará muito bem tratado – para não fugir à regra geral – e as vacas certamente lhe darão um bom tratamento, mantendo a relva aparada e estrumando-a. As mordeduras dos cães tratam-se com o pelo dos mesmo animais…
Aqui está um caso em que todos ganham (dirão alguns que talvez as únicas que não ganhem nada sejam as vaquinhas, mas essas nunca ganham, estejam lá onde estiverem; mas pelo menos mudaram de ares, se é que isso é bom para elas). De resto ganha a Câmara Municipal que fica com o relvado tratado, ganha a Associação do Turismo que promoveu o evento – ou pelo menos espera vir a ganhar – ganham as pessoas que por lá passam e que ficam com mais um motivo de conversa, ganha o tratador das vacas que está deslocado e tem ajudas de custo (isto digo eu que sou um optimista…), ganham os donos das vacas que certamente as alugaram e até ganho eu um motivo para fazer este post, hoje dedicado à carne e eventualmente ao leite, para variar da dieta de peixe.
Enfim…o paraíso na terra!
É o eras!... A Associação Animal resolveu accionar uma acção de protesto contra a campanha. Razões: aquele era o último local em que uma pessoa com juízo poria vacas a pastar e também porque as coitadas estão expostas à chuva.
Como se vê já estão metidos muitos animais no assunto. Para já estão as vacas, os da Associação Animal e o Carapau. Certamente ainda vão entrar mais na dança.
Eu sei que sou suspeito neste caso: a dita Associação nunca se preocupou com os peixinhos que passam a vida dentro de água, todos molhadinhos, quer chova quer faça sol. Já as vacas em geral, e as açorianas em particular, levam com ela de vez em quando – quando o S. Pedro a manda – e não consta que se preocupem muito com isso, desde que haja boa ervinha para irem ruminando, lá nos seus vagares.
Ainda pensei ir falar com os animais – as vacas, entenda-se – mas não sei língua de vaca (dizem os Animais que estufada com cenouras e puré de batata é um bom petisco), quando muito arranho a língua de bacalhau, mas parece-me que as vacas não arranham nada, limitam-se a uns prolongados muuuuus quando tem sede ou esperam que alguém lhes venham fazer festas nos ubérrimos úberes.
O meu principal interesse em falar com elas não era propriamente saber se estavam bem, se a chuva as chateava ou não, se os “animais” já tinham ido fazer-lhes perguntas e outras ninharias do género. Eu queria era ouvi-las falar, queria tirar a limpo se eram mesmo açorianas, queria ouvir o sotaque. No fundo – eu passo a maior parte da vida aqui no fundo – sou um desconfiado. Eu creio que as vaquinhas não vieram dos Açores e são aqui dos arredores, no máximo ali da raia do Ribatejo, talvez do Intendente (Manique do Intendente, entenda-se…) e que foram alugadas e enganadas, porque não sabem que estão a representar outra “república” que não a sua (delas). Mas disso não se preocupam os outros animais. A vida está cheia destas contradições: as pessoas importam-se com o acessório mas o essencial passa-lhes ao lado. Isto com todos os animais, excluindo alguns peixes que, nas profundidades, tem tempo para pensamentos igualmente profundos.
Lembrei-me agora que talvez o Peixe-galo ou o Peixe-porco, que às vezes convivem com vacas, saibam alguma coisa da língua delas e nesse caso ainda lá vou dar um salto, para tirar isto tudo a limpo. Tenho esta mania de querer tirar tudo a limpo, mas talvez o tiro me saia pela culatra, que aquilo deve estar uma miséria, uma mistura de lama, relva e merda de vaca, com licença de Vossas Senhorias.