Um presépio original
Passavam das 22 horas do dia 24 de Dezembro, quando o telefone tocou naquele quartel de bombeiros, onde só se encontravam quatro pessoas, que constituíam o piquete de urgência.
Era requisitada uma ambulância para o transporte de uma parturiente, de uma aldeia próxima para o hospital distrital.
A ambulância saiu com João Flores como condutor e Manuel Lopes como socorrista.
Tinham um pouco menos de uma hora de caminho para cada lado. Já não chegariam antes da meia-noite ao quartel, para a consoada, mesmo se tudo corresse bem.
O que parecia não ser o caso. Se os primeiros quilómetros tinham sido fáceis, agora ao entrar na zona da serra, tudo se estava a complicar. Apareceu a chuva que se veio juntar ao frio intenso e João refreou a marcha, não fosse haver algum despiste. Era uma corrida contra o tempo, o tempo que o relógio media, mas o outro tempo – o metereológico – não estava a colaborar. Mais à frente caíram uns fiapos de neve.
- Mau! A coisa está a ficar feia, Manel.
- Isto passa. Costuma ser só neste pedaço de estrada que às vezes neva um pouco.
De facto pouco depois deixou de nevar e só a chuva continuava a cair, serenamente.
Algum tempo depois chegaram à aldeia e embarcaram a parturiente. Era um primeiro filho, o que punha toda a gente em alvoroço. Deitaram-na na maca, fixaram a maca na ambulância e partiram sem perder tempo. Seguia também o pai da criança. Arrancou a ambulância, e passado pouco tempo, a parturiente entrou em convulsões. Manuel atrapalhado tentava acalmá-la dizendo-lhe para respirar fundo. Estavam sensivelmente a meio do caminho quando entrou em trabalho de parto.
-João! Pára e anda aqui. A criança está para nascer. Telefona para o hospital a pedir assistência.
Pelo telefone um médico ia sendo informado e ia dando indicações. Não era só para a mulher que ia ser o primeiro parto. Nenhum dos presentes tinha experiência em tais trabalhos, nem mesmo o socorrista que se tinha limitado a ter alguma formação. A mulher gritava, o homem não sabia o que fazer e Manuel tentava acalmá-la e a transmitir-lhe as indicações recebidas pelo telefone.
Já tinha saído do hospital um carro com um médico e uma parteira, dentro de meia hora estariam a chegar.
Mas estava escrito que não chegariam. Daí a pouco foram informados disso mesmo. Um nevão não permitia que o carro avançasse. João meteu o nariz de fora e ficou espantado com o que viu. Um manto branco cobrira tudo em alguns minutos, sem se terem dado conta, tão absorvidos estavam com o problema que tinham entre mãos. Agora nem podiam avançar nem recuar. Sem auxílio do exterior tinham de resolver o problema ali mesmo.
Do hospital informavam que, a continuar a nevar assim, só era possível o auxílio na manhã seguinte, por helicóptero.
A tensão era tanta que ninguém sentia frio, nem se apercebiam da baixa temperatura que teriam de enfrentar toda a noite.
Alguém tinha de fazer alguma coisa, mas nem saberiam quem nem como.
Mas esse “alguém” acabou por aparecer. Era um milagre certamente. Primeiro a cabeça, depois lentamente o resto do corpo, certamente incitado pelos gritos roucos da mulher, e de repente ele aí estava inteiro e pronto a substituir a mãe nos berros. O primeiro choro, o cordão umbilical, uma primeira limpeza com que havia disponível na ambulância, as últimas indicações do médico, o cuidado a ter com o frio e agora era esperar até de manhã.
Já mais calmos e agora sorridentes enquanto o cachopo se agarrava à teta materna, o João disse que não ia haver problema, havia muito combustível no depósito, que iria dar para deixar o motor a trabalhar para terem aquecimento durante toda a noite.
- É meia-noite. – Disse o João a olhar para o relógio. É o nosso Menino Jesus!
- É verdade. Temos o Menino, o Pai e a Mãe. Se tu, João fizeres de burro eu faço de vaca e temos aqui armado um presépio bem original.
E só o Menino não riu porque mamava. De resto foram quatro gargalhadas, que só a neve a cair, não deixou que fossem muito longe.