Ia eu a caminho dos 9 anos, andava na 4ª classe, e o meu Pai pegou em mim e num outro irmão, com 2 anos menos e levou-nos de viagem. Era o último dia de aulas nas escolas primárias, antes das férias do Natal e foi o primeiro e único dia que faltei, não contando qualquer falta por doença.
Nesses tempos as estradas eram o que eram, classificadas entre “normais”, más e muito más e o carro “lá de casa” estava de acordo com essas estradas. A viagem era de uns 250 km, de Leiria para a Covilhã. Para mim que nunca deveria ter andado mais que uns 30 ou 40 km, ia ser uma aventura. E foi. O banco da frente era “corrido” e portanto íamos os 3 sentados nele. A estadia prevista na Covilhã era de uma semana, mais ou menos. Quando eu já deitava carro e estradas pelos olhos, cansado de estar ali “fechado”, quando poderia estar a jogar ao pião ou ao berlinde e julgando que deveríamos estar a chegar, diz o meu pai: “estamos mesmo a meio do caminho. Querem comer alguma coisa?”
Não me lembro se paramos ou não paramos, se comemos ou não comemos. Lembro-me, isso sim, que fiquei muito “desmoralizado”. Enfim, lá para o meio ou o fim da tarde chegamos ao destino e por lá andamos a tal semana prevista. Não faço a mínima ideia como passamos esses dias, mas o mais provável era que andássemos “por ali a rebolar” enquanto meu pai tratava dos assuntos que o tinham levado lá.
Um parêntesis para explicar a ida dos dois putos nessa viagem. A razão era simples. Como as férias do Natal começavam no dia seguinte, íamos ficar os três em casa (sim ainda havia um terceiro, que deveria ter nessa altura perto de 4 anos) sozinhos com a minha Mãe, pois o Pai tinha de fazer a tal viagem e parece que os três juntos era “insuportáveis”. E digo “parece” por ouvir dizer mais tarde, pois não incomodávamos ninguém e sabíamos resolver as nossas questões à pancada e sem clamar por auxílio.
Enfim, os dois mais velhos foram exilados durante uma semana (esta cena repetiu-se aliás durante uns anos, ainda que passasse a ir só um de cada vez. Chegava um período de férias e lá ia um pentear macacos para a Covilhã).
O dia do regresso foi na véspera do Natal, mas agora o carro tinha mais dois passageiros e nós os dois vínhamos no banco de trás, enrolados num cobertor (convém lembrar que era dezembro e o carro tinha arrefecimento natural (o frio que entrava pelas “frinchas”), mas aquecimento nem pensar nisso era bom. Aliás desejava-se que o motor nem aquecesse muito, não fosse gripar…
Devemos ter saído tarde da Covilhã e como anoitecia cedo a viagem deve ter sido quase toda feita já de noite. Lembro-me de ver, em quase todas as aldeias por onde passávamos, as enormes fogueiras que era costume fazer na noite de Natal e onde se reunia parte da população para passar a noite em convívio. Hoje ainda isso se faz mas em muitas poucas povoações (uma conheço eu, perto de mim, onde isso ainda acontece).
Enfim, deveriam ser umas 11 horas da noite, quando chegamos a casa. Ainda a tempo de comer uma ou duas filhós acabadas de fazer, pôr o sapato (em geral a bota porque era maior) na chaminé e ir dormir, pois no dia seguinte havia que levantar cedo para ver o que o Menino Jesus tinha deixado no sapatinho.
Para terminar: o Pai Natal não era ainda conhecido e a mim fazia-me impressão como é que o Menino Jesus, acabado de nascer, conseguia já andar de um lado para o outro e sobretudo descer pelo estreito tubo da chaminé do fogão. E pior ainda, ter depois de o subir.
Outra coisa que me intrigou uns tempos, era como é que ele sabia o que eu dizia à minha Mãe que gostava que Ele me desse pelo Natal.
Mas essas dúvidas já eu as não tinha aquando dessa minha 1ª viagem aventura que contei.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
É verdade lince amigo. Por essa altura ainda alguns dos teus avós andavam a fazer pela vida, lá pela Serra da Malcata.
Agora ontem fartei-me de rir, quando ouvi dizer que ias ser “restituído ao teu habitat natural”. Já te estou a ver, habituado a leitinho e pão de ló e ao ar condicionado, a teres de correr atrás de alguma láparo para tentares chegar pelo menos à passagem do ano. Vai ser lindo! Ri-me é certo, mas olha que tenho pena de ti. Sabes que aqui, durante mais algum tempo, vais ter poiso certo. Conta comigo.