Fica provado uma vez mais que o deserto não alimenta vida. Qualquer coisa que nasça não se desenvolve. Ou toma uma forma raquítica ou morre.
Há meia dúzia de dias no meio dum areal imenso e por mais que tenha espremido as meninges, nenhum suco saiu. Daí o post não ter saído na data “convencionada”. Já tinha decidido que faria então uma pausa, quando o acaso me deu uma ajuda. Valiosa, como é sempre uma ajuda inesperada. Era perto da 1 hora da madrugada, ia deitar-me quando me entra pela janela aberta um inesperado “drone”, que choca contra mim e aterra no chão. Mais rápido que um gato a apanhar mosca, atiro a minha mão direita em forma de concha e aprisiono-o. Senti logo a gostosa comichão do gafanhoto na palma da mão. Fui fechando a mão com cuidado até que fiquei com ele entre o polegar e o indicador. Virei-o para mim e fitamo-nos olhos nos olhos. Pelo olhar, deve ter pensado “estou frito”. Depois, mirando-me com mais atenção, deve ter reparado nos meus olhos não amendoados e emendou (foi o que me pareceu pelo movimento dos olhos), “vai-me comer cru”. Sorri para ele, abanei a cabeça e perguntei: “que fazes aqui a esta hora da noite, num 3º andar? E nem as boas noites se dão?” Ele acalmou mas não respondeu e então fui à varanda, ensaiei um movimento de discóbolo e lancei-o ares fora para ele poder aterrar com suavidade num relvado próximo.
Deitei-me e fiquei uns minutos a relembrar os meus tempos de Ronaldo dos gafanhotos. Gafanhoto visto era gafanhoto apanhado. Só para provar a minha destreza pois logo os soltava. Se bem que várias vezes tenha pensado que têm umas certas semelhanças com os camarões…
Ficou assim provado que ainda não perdi algumas qualidades com a finta que esta noite fiz a este notívago.
Mas se sempre fui um Ronaldo para gafanhotos, também tive a minha temporada longa de Messi das lagartixas. Era só avistá-la e convencê-la a não se enfiar num qualquer buraco inacessível e era mais uma lagartixa apanhada. Umas vezes pela rapidez da finta, que a deixava pregada ao muro onde estaria a apanhar sol, e já estava entalada nos meus dedos ou então, com algumas mais difíceis, armando-lhes uma cilada com um caule fino duma qualquer graminia. Era só pôr-lhe o laço à frente que a curiosidade a levava logo a avançar um passo e no segundo seguinte estava a espernear no ar, agarrada pelo laço. Depois, satisfeito com o “meu treino”, soltava-a e “descalçava as chuteiras”.
A última que apanhei “à unha” foi há já muitos anos na aldeia do Baleal onde fui fora da época balnear. Era enorme e estava a apanhar sol na parede
duma moradia. Fugiu-me duas ou três vezes, fiz-lhe “marcação cerrada” e depois de muita luta lá a filei. Olhei-a bem nos olhos, ela fitou-me e abriu a boca como se quisesse fulminar-me com uma língua de fogo, assim tipo dragão do Baleal, mas depois de a convencer que ali quem mandava era eu, soltei-a e desejei-lhe longa vida.
Hoje, o gafanhoto descarado e intruso fez-me lembrar essas minhas “aventuras”; e graças a ele, ainda que atrasado, saiu o post.
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
E tu, lince já alguma vez brincaste com gafanhotos e lagartixas?
Não, não me digas que os comes!