Quinta-feira, 1 de Maio de 2014

Et mortuum...

Alguns dos últimos acontecimentos relatados na TV (casos como aquele do homem que supostamente anda fugido lá pelos montes do Douro, com um batalhão de polícias atrás) e outros semelhantes, em que a violência anda à solta, trouxeram-me à memória um conto policial que li quando era menino e moço e gostava de romances e contos policiais. Tinha como título uma frase em latim, que já esqueci, mas que queria dizer qualquer coisa como: “Dos mortos não se deve falar para dizer mal”. E dos vivos também não, digo eu agora.

Aqui vai, numa adaptação livre, o que a minha memória ainda retém.

 

- Oh compadre Joaquim! Está alguém cá por casa? – gritou o Manuel Moleiro entrando pela casa do amigo.

- Estou aqui, na cave. Desça compadre que estou ocupado.

Manuel desceu e encontrou o amigo a terminar o trabalho de cimentar o chão da cave.

-Andava há que tempos para resolver este assunto da infiltração de água, hoje resolvi lançar mãos à obra…

Manuel olhou para o compadre e amigo duma maneira estranha e começou a falar:

- O compadre sabe que pode contar comigo para tudo. A minha boca será para todo o sempre um túmulo. Nunca duvide disso. Compreendo perfeitamente a situação, eu teria feito o mesmo. Tenho até de lhe pedir desculpa por nunca lhe ter falado no assunto, mas o compadre sabe que estas coisas são muito pessoais. A verdade é que a comadre era uma boa pessoa, muito simpática, uma mulher vistosa, mas também muito dada e sempre pronta a dar trela a qualquer um. Ele falava-se no padeiro, no Zé do correio, no Xico da mercearia, nos que vinham e passavam, nos que passavam e voltavam, enfim a fama dela já era conhecida nas cinco léguas ao redor da aldeia. Por isso compadre, eu compreendo perfeitamente o seu gesto e por isso lhe digo uma vez mais que pode contar com o meu silêncio. E agora, se me dá licença vou-me embora que ainda tenho de ir tratar dos animais.

Subiu as escadas e saiu.

Joaquim tinha suspenso o trabalho desde que o compadre começou a falar e nem abriu a boca. Depois, quando ele saiu, sentou-se e, apoiado ao cabo da picareta, ficou a pensar na vida. Não fazia a mínima ideia das coisas que o compadre lhe tinha dito. Afinal ele, sempre tão…

Foi interrompido pela voz da mulher que tinha voltado do quintal e que lhe gritou da cozinha:

- Ainda não acabaste a obra, Quim?

- Julgava que sim, mas o trabalho não ficou bem feito, tenho de abrir de novo o buraco. Anda cá abaixo, que és precisa aqui…

 

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.        

publicado por Carapaucarapau às 18:41
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12 comentários:
De Labirinto de Emoções a 5 de Maio de 2014 às 22:04
Bem...as "comichões" foram de tal ordem que sairam..."comicões"....bolas que palavra mais "inconseguida"...grrrrrrrr
E pronto, levas mais um beijo por conta do final da história..:-)))))))


De Carapau a 8 de Maio de 2014 às 16:57
Óbviamente eu não estava na cave para poder fazer o relato circunstanciado do acontecido. Mas essa ideia do "betume" para obviar às infiltrações não tem nada de "inconseguida"... :))
E creio mesmo que a Senhora da história nem deve ter tido tempo para ter comichões...ficou-se pelas "comicões"...
Como acontece com muitas outras coisas, tem mais interesse o que se esconde do que o que se mostra. É este o princípio de um bom conto, mesmo que policial (ou sobretudo policial).
Bjo.


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