Alguns dos últimos acontecimentos relatados na TV (casos como aquele do homem que supostamente anda fugido lá pelos montes do Douro, com um batalhão de polícias atrás) e outros semelhantes, em que a violência anda à solta, trouxeram-me à memória um conto policial que li quando era menino e moço e gostava de romances e contos policiais. Tinha como título uma frase em latim, que já esqueci, mas que queria dizer qualquer coisa como: “Dos mortos não se deve falar para dizer mal”. E dos vivos também não, digo eu agora.
Aqui vai, numa adaptação livre, o que a minha memória ainda retém.
- Oh compadre Joaquim! Está alguém cá por casa? – gritou o Manuel Moleiro entrando pela casa do amigo.
- Estou aqui, na cave. Desça compadre que estou ocupado.
Manuel desceu e encontrou o amigo a terminar o trabalho de cimentar o chão da cave.
-Andava há que tempos para resolver este assunto da infiltração de água, hoje resolvi lançar mãos à obra…
Manuel olhou para o compadre e amigo duma maneira estranha e começou a falar:
- O compadre sabe que pode contar comigo para tudo. A minha boca será para todo o sempre um túmulo. Nunca duvide disso. Compreendo perfeitamente a situação, eu teria feito o mesmo. Tenho até de lhe pedir desculpa por nunca lhe ter falado no assunto, mas o compadre sabe que estas coisas são muito pessoais. A verdade é que a comadre era uma boa pessoa, muito simpática, uma mulher vistosa, mas também muito dada e sempre pronta a dar trela a qualquer um. Ele falava-se no padeiro, no Zé do correio, no Xico da mercearia, nos que vinham e passavam, nos que passavam e voltavam, enfim a fama dela já era conhecida nas cinco léguas ao redor da aldeia. Por isso compadre, eu compreendo perfeitamente o seu gesto e por isso lhe digo uma vez mais que pode contar com o meu silêncio. E agora, se me dá licença vou-me embora que ainda tenho de ir tratar dos animais.
Subiu as escadas e saiu.
Joaquim tinha suspenso o trabalho desde que o compadre começou a falar e nem abriu a boca. Depois, quando ele saiu, sentou-se e, apoiado ao cabo da picareta, ficou a pensar na vida. Não fazia a mínima ideia das coisas que o compadre lhe tinha dito. Afinal ele, sempre tão…
Foi interrompido pela voz da mulher que tinha voltado do quintal e que lhe gritou da cozinha:
- Ainda não acabaste a obra, Quim?
- Julgava que sim, mas o trabalho não ficou bem feito, tenho de abrir de novo o buraco. Anda cá abaixo, que és precisa aqui…
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.