Ontem tomei a vacina contra a gripe e a enfermeira perguntou-me como estavam as outras vacinas, sobretudo a do tétano.
Disse-lhe que não fazia a mínima ideia e não me lembrava de alguma vez ter tomado tal vacina. Fiquei em tratar disso.
De uma “história” relacionada com esta vacina do tétano me lembro bem, apesar de muita água já ter corrido sob as pontes, de então para cá.
Num belo agosto de um belo ano, eu e um amigo agarramos nas malas e zarpámos por aí fora: Grécia, Turquia e Itália (por esta ordem) eram os destinos a atingir.
Na Grécia aproveitamos e visitamos 3 ilhas, num cruzeiro de 3 dias e 2 noites ou coisa parecida. Numa das ilhas, depois da visita guiada às ruínas de um qualquer templo (?), o calor era tanto que nós os dois e duas italianas nos atiramos ao mar, enquanto o resto do grupo se refrescava num bar. Viemos a saber depois que não era recomendado tomar banho naquela zona. Era tarde, porém. Quando saímos da água, todos vínhamos a sangrar de vários golpes que nos foram provocados pelos muitos pedras que havia no mar. Pedras das ruínas de antigas construções pré helénicas sobre as quais o mar tinha exercido o seu processo de erosão, deixando nelas os veios mais rijos que eram autênticas lâminas que cortavam quem se aventurasse a entrar na água. Daí a recomendação, que não vimos antes, para não tomar banho.
Quando saímos parecíamos quatro guerreiros saídos de uma qualquer batalha contra Esparta. Feita a análise aos ferimentos concluímos que eram superficiais e sem importância de maior. Só o meu amigo tinha um na planta do pé, bastante profundo e que sangrava um pouco mais e lhe doía.
De regresso ao barco desinfetaram-no e fizeram-lhe um penso e o assunto ficou resolvido. Julgava ele.
No dia seguinte estávamos de novo em Atenas e programamos umas excursões pelas redondezas aproveitando a “boleia” das italianas ou elas a nossa, já não me lembro.
E então o meu amigo começou a queixar-se com dores e a ter dificuldade em andar.
Teve de ir ao hospital. Aí contou o que lhe tinha acontecido, foi examinado, fizeram-lhe o curativo e vacinaram-no contra o tétano. E entregaram-lhe uma papeleta onde estava tudo o que não podia comer nem beber durante um ou dois meses. Parecia a lista da lotaria do Natal da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, naquele tempo em que a lista continha todos os números premiados. Concluindo, e por exclusão de partes, podia comer massa, arroz e batatas e beber água. Tudo o resto lhe era vedado. Eu fiquei muito admirado, porque em tempos tinha levado uma injeção antitetânica, na sequência dum pequeno acidente, e não me lembrava nada de me terem impedido de comer fosse o que fosse. Ele porém cumpriu a recomendação e enquanto eu me batia com um bife, ou uma dourada, ele “batia-se” com um prato de arroz ou massa, acompanhado por uns copos de água…
Dois dias depois fomos para Istambul, no dia da chegada ainda demos umas voltas pela cidade, ele a queixar-se outra vez do pé, e no dia seguinte com dores e sem conseguir andar começou a pensar em voltar para os pátrios ares. E eu? Que ficava a fazer por ali sozinho?
Disse-lhe então que íamos fazer uma última tentativa. A primeira operação era tirar o penso e ver o aspeto da ferida. Assim se fez e não podia ser pior. Tinha todo o ar de uma grande infeção. Perguntei-lhe se era homem para aguentar uma “operação” por um “técnico de elevada competência”, ele encolheu os ombros pouco convencido, mas lá fui à farmácia comprar álcool, gaze, algodão e uma pomada com um antibiótico (um pormenor que não esqueci: no meio das moedas do troco e na falta duma qualquer moeda, vinha um comprimido, avulso e desembrulhado, o que serviu para animar os ânimos). Chegado ao hotel, mandei-o deitar e morder uma almofada (as italianas tinham ficado para trás não podia contar com elas para uma mordidela…) e atirei-me ao trabalho. Fiquei banzado com o que saiu da ferida infetada. Depois de ter sido tratado por um “enfermeiro” de primeiros socorros no barco e de ter sido “tratado” no hospital, quando espremi aquilo tudo saiu uma camioneta de areia, pus e mais algas do que eu tenho aqui na minha caverna para me deitar!
No dia seguinte já quase não tinha dores e no outro dia já corria e saltava como um gamo. Entretanto “dei-lhe alta” no que dizia respeito à alimentação e ele lá foi dando umas dentadas no peixe e na carne. Ainda hoje diz, a gozar comigo, que lhe salvei a vida.
A vida não, mas parte das férias dele e minhas, salvei com certeza.
Até hoje não fui incomodado pela Ordem dos Médicos, por exercício ilegal da medicina…
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.