Na semana passada a RTP transmitiu no telejornal uma reportagem feita no aeroporto Sá Carneiro (Porto) a propósito da emigração de uns 20 jovens enfermeiros para Inglaterra.
Em princípio seria uma reportagem como tantas outras. Só que, logo na “2ª linha” da mesma ficamos a saber que o motivo era um dos emigrantes ter escrito uma carta ao Presidente da República a dizer coisas, entre as quais, porque foi a salientada, a “pedir” que não houvesse um “imposto sobre lágrimas e saudade”. Patético para não dizer pateta.
A ajudar à “festa”, uma das emigrantes também ouvida disse qualquer coisa como “Portugal investiu tanto em mim e agora que eu queria “pagar” tenho de ir trabalhar lá para fora em favor de outros”.
Altura para dizer que estes enfermeiros iam já com contrato de trabalho, ordenado contratado e garantia de alojamento.
Fiquei triste, mas exatamente pelos motivos contrários aos que os dois entrevistados invocaram.
Lembrei-me dos “avós”, alguns deles sem saberem escrever uma linha, sem saberem nada da língua do país para onde iam ilegalmente, sem saberem nada do que os esperava, explorados por intermediários, que os levavam “a salto”, acabando por morar nas célebres “bidonvilles”, que passaram as passas do Algarve para melhorarem a sua vida, para que filhos e netos tivessem uma vida melhor.
E agora “os netos” que não passaram dificuldades, que “exigiram” mais do que deviam, a quem foi facultado tirar cursos, a quem foi dada oportunidade de arranjarem a “ferramenta” para poderem ganhar a vida, ficam revoltados por irem trabalhar, em boas condições, onde os avós andaram de pá e picareta. E nem se deram conta que não precisaram de passaporte, que agora a Europa é a sua “terra”, que vão conhecer outras gentes e outras organizações, que vão enriquecer o seu curriculum profissional, numa palavra que vão crescer.
Só deram conta que lhes vão faltar as sopinhas de leite das mães, o convívio de alguns amigos e então escrevem cartas ao Presidente da República e então dizem coisas que deviam calar. Já tinham idade para saber que Portugal, com dez milhões de habitantes, independentemente de haver ou não haver crise, não tem capacidade para absorver toda a gente que tira cursos superiores (alguns deles sem qualquer saída profissional, diga-se, mas até nem é o caso da enfermagem). Já deviam saber que o mundo hoje é (deve ser) a sua casa e particularmente a Europa onde têm os mesmos direitos que qualquer outro europeu.
Os “avós” que por acaso ouviram a reportagem devem ter sorrido e abanado a cabeça e os que já morreram devem ter dado uma volta no túmulo.
Disse.
***
O diabinho que de vez em quando me sopra ao ouvido as suas “diabices”, desta vez fez-me uma pergunta diabólica.
- Já pensaste se a repórter for amiga/vizinha/prima/namorada do rapaz, se ela organizou tudo aquilo para fazer a reportagem e se foi dela a ideia da carta?
Ou foi mesmo ela que a escreveu?
Dei um grito, disse uma asneira grossa e o diabo fugiu a sete pés.
(Mas fiquei a pensar…)
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.