Quando aqui há tempos o assunto “escutas telefónicas” andava na boca do mundo, num dia em que fui convidado pela tia Armandina para almoçar lá em casa, a conversa também passou por esse tema. E começou assim:
- Então o que é que o Menino me diz das escutas telefónicas?
E sem esperar pela minha resposta (aliás eu sei que, quando a Tia faz a pergunta com uma certa entoação, não espera resposta), a Senhora continuou:
- Isto de escutar, seja um telefone, seja atrás duma porta, seja a conversa na mesa ao lado, no café, não é nada bom. Nem para quem escuta nem para quem é escutado; mas que é uma grande tentação, o Menino não tenha dúvidas…
- Não tenho não…
- Aqui há tempos achei o comportamento da Lú (a Lú é a neta da velha Lúcia que é empregada da tia já há uns 40 anos. A “miúda” foi praticamente criada lá em casa pela avó e pela Tia) um pouco estranho e, uma vez que ela se fechou no escritório a telefonar, fiquei intrigada e vi-me obrigada a fazer o que…enfim…o que tem de se fazer: pus-me a escutar atrás da porta. Não percebi com quem falava, nem o sentido da conversa, só percebi alguns pedaços de frases e algumas palavras desgarradas. Às tantas percebi ela a falar “na velha”, “na puta da velha” e num “apertão na velha”. Claro que estive para abrir a porta e pôr tudo em pratos limpos, mas aguentei-me e fiquei a aguardar por outras oportunidades.
Passados dois ou três dias a Lú veio ter comigo e contou-me o que lhe estava a acontecer. Que tinha um namorado, que já por diversas vezes tinha ido falar com ele ao quarto onde morava e “enfim a Dininha sabe…” (a Lú trata a Tia por Dininha).
- E eu que tenho a ver com isso? Já és maior e tens obrigação de saber o que fazes.
Ela contou-me então que a dona da casa onde o namorado tem o quarto alugado, uma senhora já de idade, deu-lhe toda a liberdade de levar lá quem quisesse, mas agora ameaçou-a (à Lú) de ir contar esses encontros à avó. A Lú estava aflita, pois o Menino sabe a relação entre a Lú e a avó e o choque tremendo que seria para a Lúcia uma revelação destas sobre a neta. Percebi então a conversa telefónica que eu tinha escutado. E como o Menino vê, nem sempre a “velha” que nós ouvimos nas escutas é a “velha” que pensamos.
Ainda que no fundo seja de velhas que se trata…