Quinta-feira, 7 de Junho de 2012

Malaquias

 

 

Malaquias era um cigano que vendia em diversos mercados na região da grande cidade. Todos os dias, bem cedo, deixava o ninho, pegava na carrinha e partia para o mercado, para instalar a tenda para a venda.

Farrusco era um gato preto, vadio, que vivia da comida que almas caridosas espalhavam em certas zonas, para ele e seus irmãos de desdita. A zona em que Farrusco vivia era a mesma em que vivia Malaquias.

Nesse fim de tarde fria de inverno Malaquias chegou da feira, arrumou a carrinha junto à casa e entrou.

Farrusco chegou-se, meteu-se debaixo da carrinha sentiu o calor que vinha de cima e subindo para a zona do motor, aninhou-se debaixo do capot. Sabia que ia ter uma noite descansada, assim protegido do frio e da chuva.

No outro dia, manhã cedo, Malaquias entra na carrinha e põe o motor a trabalhar. Nesse instante ouve uns guinchos lancinantes e um barulho estranho vindo dos lados do motor. Desliga-o e abre o capot da carrinha. O gato Farrusco, apanhado pela ventoinha do radiador, está em petição de miséria. Ensanguentado, mal se mexe e parece estar prestes a entregar a alma (se é que gato tem alma) ao criador.

Malaquias sente desde logo os sete anos de azar que tem pela frente, de acordo com o que sempre ouviu dizer à sua gente. Quem mata um gato preto têm sete anos de azar (isto segundo as opiniões mais otimistas, pois outras auguram tudo de mau para o resto da vida). Malaquias, rapidamente toma uma resolução: embrulha o gato num pano que tem ali à mão e parte a toda a velocidade para uma clínica veterinária, que sabe haver não muito longe dali. Entra espavorido e aos gritos e dirige-se ao veterinário: “ai senhor doutor salve-me este bichinho, por tudo o que tem mais sagrado. Não olhe a despesas, senhor doutor”. O tom era lamuriento e aflito. O médico leva o bicho para a sala de operações e depois de bastante tempo a cortar aqui e a coser ali e a desinfetar acolá, aparece ao cigano e diz-lhe que o que tinha de ser feito, já fora feito, mas que o estado do bichano era desesperado, o melhor era não ter muitas esperanças.

Malaquias volta ao ataque e pede-lhe para fazer os impossíveis para salvar o gato e que não olhasse a despesas que ele pagaria tudo.

Foi para a feira, já atrasado (mas não se podia dar ao luxo de perder um dia de negócio) e à tarde passou pela clínica. O Farrusco ainda vivia mas o veterinário continuou a não lhe dar muitas esperanças. E assim durante uns dias o Farrusco esteve entre a vida e a morte e o Malaquias passava, de manhã e ao fim da tarde para saber notícias. O cigano andava de orelha murcha, o espectro duma vida cheia de azares não o largava.

 Com o passar dos dias o gato foi arrebitando e uma bela manhã o doutor disse ao Malaquias que o gato já se podia ir embora, estava são e salvo. Malaquias saltou de contente, abraçou o veterinário e quase lhe beijou as mãos. “Ai meu rico senhor Dr. que me salvou o bichano, que Deus lhe dê tudo o que mais desejar na vida”.

 Disse que à tarde passaria para levar o gato e pagar as despesas que houvesse para pagar.

E feliz e contente, como um passarinho que tivesse sido libertado da gaiola, cantou, assobiou, bateu palmas e gritou, a caminho da feira. Ele, Malaquias estava livre da maldição dos sete anos de azar, que tanta preocupação lhe tinha trazido nos últimos dias. Durante o mercado gritou com mais força a qualidade dos seus artigos. Chegou mesmo a fazer descontos que noutro estado de alma não faria. Enfim, estava feliz e recuperou alegria de viver.

 

E nunca mais passou pela rua onde ficava a Clínica Veterinária. Nem por lá perto.

 

 Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.        

publicado por Carapaucarapau às 13:27
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