- O senhor doutor dá licença?
- Entre! Quem é o senhor?
- Sou o Zé da Silva, o Sr. Dr. não me conhece. Negoceio com sucatas.
- E o que quer falar comigo?
- O Sr. Dr. tem ali no quintal uma sucatagem, venho apresentar uma proposta de compra.
- Sucata no quintal?
- É pouco, mas sempre ficava com o terreno limpinho. Depois um pouco daqui e outro pouco dali sempre faço uma cargazita.
- Mas que tenho eu no quintal que lhe interesse?
- É coisa pouca, Dr. Uma porta velha de chapa, da casa do cão, uma roda de triciclo, um bocado duma colher, um garfo com menos 2 dentes, uma roda dum patim e pouco mais, mas sempre dava 10 euros por aquilo.
- 10 Euros? E você vem aqui incomodar-me por 10 euros?
- Não posso dar mais.
- Não pode? Ora vamos lá a ver… O senhor Silva gostava de fazer um negócio em grande?
- Então não havia de querer Sr. Doutor?
- Espere aí.
(O Doutor faz uma chamada aparentemente para um amigo. Depois do telefonema, volta a falar com o Sr. Silva.)
- Ora bem. O amigo Silva vai ali ao lado falar com o Sr. Doutor que está aqui neste papelinho, e vai ver que não se arrepende. Mas ó amigo Silva abra lá os cordões à bolsa que isto é coisa de milhões…
- Oh Sr. Doutor. muito obrigadinho. Deixe lá que não me vou esquecer do senhor…
- Ai não vai não. Para já deixe aí 10.000 dele em notas usadas. Para 1ª prestação não está mal: Que achas ó Silva?
- A falar é que a gente se entende. Só espero é que o negócio renda para poder pagar assim esse graveto todo…
- Oh pá deixa-te disso. Negócios com sucatas, com lixo, e com lixeiras é que são negócios catitas. Cheiram mal, ninguém se mete nisto.
- Tenho a impressão que vai ser o princípio duma bela amizade, a nossa…
- Pronto. Mete o cacau aqui nesta gaveta e vai lá falar com o homem que já deve estar em pulgas. Ele vende electricidade em pó e tem lá uma grande quantidade já com bolor e quer ver-se livre daquilo.
- Ok. Boa tarde pá!
- Boa tarde pá! Depois diz como correram as coisas.
(45 minutos depois, toca o telefone)
- “Porreiro pá”! O gajo é fixe, vou ganhar um dinheirão…
- “Vais ganhar?”
- Desculpa pá, vamos ganhar. Todos. É tudo uma malta fixe.
- Não duvides. É tudo do melhor.
- O gajo indicou-me mais um tipo que vende gás ao domicílio. Parece que tem umas botijas de gás já velho, gás que já não arde, para vender prá sucata. E há outro quer ver-se livre dumas linhas de caminho de ferro…
- Tás a ver pá! É sempre a facturar!
- Agora estou com pressa, ainda vou ter de comprar dois Mercedes, coitados deles, parecem que andam a pé…amanhã falamos.
- Mercedes eu não quero… por enquanto, tenho aqui este do…
- Já sei. Tu gostas mais dele em notas…
- …usadas.
- Estou já a bolar uma negociata do caraças.
-Ai sim? Quanto vou receber por ela?
- Porra! Não deixas passar uma.
- Querias? Conta lá a negociata.
- É assim: faço o tal negócio das botijas. Quero dizer, o negócio de eu retirar as botijas por uns milhões. Estou a pensar em receber o cacau e deixar lá as botijas. Assim eu não tenho trabalho e eles não perdem tudo. Ficam com elas à mesma… E qualquer dia voltamos a fazer o mesmo negócio com as mesmas botijas. Tás a topar?
- Chiça! Mas que raio de negócio é esse? Compras e ainda te pagam? És pior que eu…
- Aprendo depressa pá. Estou habituado a lidar só com sucatas, lixo e merda. Estou como peixe na água. Estou com a minha gente.
- Podes crer. Agora boa tarde, que tenho ali outro cliente à espera.
Dúvida metafísica do Carapau:
Estas conversas acabarão algum dia? E eu e outros como eu e “Vós oh! Tágides minhas”, que figura fazemos no meio disto? Já repararam que o ambiente é propício para que no “Ambiente”, os empreendedores contactem os que passam a vida a empreenderem a maneira de perceber o “empreendorismo” dos que uma vez empreenderam, lá atrás das fragas, que um dia iam ser também eles grandes empreendedores?
E nós a sermos todos os dias empreendidos (mas com a 6ª letra do alfabeto) … e mal pagos!